Vivenciar o tempo quaresmal é fazer recordar em nós um tempo salvífico e redentor. Por isso, o sentido da quaresma está no seu fim – a Páscoa de Jesus Cristo. Assim sendo, a Quaresma é sempre um tempo de preparação para a Páscoa e, também, tempo de lembrarmos nosso batismo e fazer penitência. Nestes dias de penitência, contudo, é muito fácil para nós, franciscanos, evocar a figura de São Francisco de Assis, um santo penitente e que adorava fazer quaresmas pelo decorrer de um ano. Eram pelo menos três: da Páscoa, de São Miguel e do Natal.
Um texto das Fontes Franciscanas, diz que o santo saiu para seu recolhimento quaresmal em direção a uma pequena ilha abandonada. A travessia até a ilha fora feita com a ajuda de um bondoso senhor que o levou à travessia em seu barco. Para os quarenta dias, Francisco havia levado dois pães apenas. No final daquele tempo, porém, relata-nos os Escritos, que os dois pães continuavam inteiros. Para não se orgulhar de tal feito, jejuar os mesmos quarenta dias de Jesus no deserto, Francisco vence seu orgulho e sua vaidade comendo a metade de um daqueles pães e doando o que restara para o dono do barco que viera lhe buscar ao final daquela quaresma.
Olhando para o Santo de Assis, sua história e sua alegria testemunhada, percebemos o sentido da sua vida de penitência e o porquê de tanto gosto pelas quaresmas que fazia. Eram nesses tempos que Francisco se aproximava dos mistérios de Cristo. Sua vida era de penitência, mas esta não era vivida como sendo um fim em si mesma, e sim, um modo de participar do mistério de Cristo e sua atuação salvífica e redentora pela humanidade. O acento de sua vida de penitente não deve estar, portanto, na simples prática de uma ascese, mas na ação redentora do Senhor - que restaura, purifica e santifica.
A vida de penitente de Francisco é mais que uma prática ascética descolada de sua realidade. É um projeto de vida que visa ‘reconstruir’ o que o pecado destruiu. Em seu testamento ele observa: Foi assim que o Senhor me concedeu a mim, frei Francisco, iniciar uma vida de penitência: como eu estivesse em pecado, parecia-me por demais insuportável olhar para os leprosos. Mas o Senhor conduziu-me para o meio deles e eu tive misericórdia para com eles.
A vida de penitente de Francisco não é um ultraje a si próprio, mas um modo de levar a misericórdia de Deus a quem estivesse em pecado ou subjugado pelo pecado alheio. Trata-se ainda de levar o perdão àqueles que estão afastados da graça por não conseguirem viver a paz, como foi o caso do Bispo e do Potestá de Assis. Vale lembrar que o Crucifixo de São Damião é quem convoca Francisco para restaurar a Igreja: Reconstrói a minha casa que está em ruínas. Assim começa a sua vida de penitente, restaurando e reconstruindo o que, de certa forma, o pecado destruiu.
Enquanto o pecado é a expressão da ruptura da graça divina em nossas vidas, a vida de penitente é apelo à conversão que provoca o restabelecimento da graça. É, portanto, o restabelecimento do diálogo com Deus, reconstrução da relação divina como manifestação do dom do perdão e da graça da reconciliação.
Contudo, neste tempo quaresmal, olhando para a vida de São Francisco, reconhecemos um autêntico caminho cristão em vista da Páscoa: participação do mistério pascal de Cristo, o que nos faz recordar nosso batismo, e, levar uma vida de penitência que, como vimos, pode significar também, continuar o mesmo mandato do crucificado ao santo de Assis: reconstruir a ‘casa’ que o pecado deixou em ruínas.

Frei Fernando dos Reis Moura, OFM

Mato Grosso do Sul