O FRANCISCANISMO E A TERRA

Afagar a terra, conhecer os desejos da terra, o cio da terra, a propícia estação, e fecundar o chão. Necessário compreender a importância da partilha de terras ou divisão de terras para a vivência plena da fraternidade universal.

 

Qual a relação do franciscanismo com a divisão de terras?

Essa relação existe porque cremos na fraternidade universal. Se cremos nos passos de Jesus por meio do exemplo de Francisco de Assis, vamos buscar dividir com todos aquilo que se configura como de todos. A fraternidade está muito além da reunião de irmãos e irmãs e se alicerça no todo da casa comum. “Louvados sejas, meu senhor, por nossa irmã a mãe terra, que nos sustenta e governa, e produz frutos diversos e coloridas flores e ervas”. (Cânticos das Criaturas)

 

Como construir a fraternidade a partir dos bens comuns? 

Não se pode erguer um mundo fraterno para todes, no qual somente alguns têm acesso à terra por conta da renda que possuem, pois a construção da fraternidade está alicerçada na partilha. A Mãe Terra deve ser utilizada de forma justa e democrática, e a Reforma Agrária é um caminho para essa efetiva partilha, para assegurar comida de qualidade por meio da agroecologia.

Esse carinho fraternal não deve se limitar aos que já conhecemos e convivemos, “Se amais somente os que vos amam, que recompensa tereis?''. Precisa-se cruzar os muros e ir ao encontro do irmão e irmã, como Francisco fez em vida e ainda buscar ser irmão das criaturas, se ver dentro dessa fraternidade como parte integrante e não como sujeito que enxerga de fora. Se ver como integrante da casa comum nos ajuda a pensar nas relações pessoais e com a natureza.

 

O que é reforma agrária?

A reforma agrária existe para que se distribuam terras que não estão cumprindo a função social da terra, compondo projeto em que latifúndios improdutivos devem ser desapropriados e distribuídos, para que ocorra produção de alimentos.

Essa discrepância entre detentores de terras ocorre porque as relações de terras na história do país estão alicerçadas em concentrações fundiárias desde as capitanias hereditárias, sesmarias e outras formas de doar terras para colonos no Brasil. Por volta de 1850 surge no Brasil a “Lei de Terras” e, por meio dessa lei, as terras se tornam propriedade do Estado, assegurando as propriedades dos "coronéis'', e segregando as terras de classes menos favorecidas. Para superar esse cenário, no Brasil existe um órgão para desapropriar e comprar essas terras: Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Mas o processo não ocorre de forma simples e natural, existe a necessidade de lutar por reforma agrária, como caminho de distribuição efetiva de terras para todos aqueles que dela extraem o sustento.

 

E qual reforma agrária gostaríamos de construir?

Necessário ter em mente que o capitalismo se configura junto do agronegócio e todo o discurso (falacioso) de que existe reconfiguração da condição fundiária. Todavia é possível observar violências e represálias que trabalhadores rurais pequenos e povos originários ou indígenas sofrem desses grandes donos de terras, que estão ligados ao agronegócio. E ainda, a utilização de fatores de produção, como agrotóxicos, que afetam o alimento e populações que estão ao redor das monoculturas. A reforma agrária que se faz necessária enfrentaria essa concentração de terra e de capital na estrutura do país, dessa forma atuando na diminuição da desigualdade. Junto da reforma agrária existe necessidade de alimentos saudáveis, em quantidade e qualidade, que possam ser produzidos por meio de agroecologia e de agroflorestas, aliadas à soberania alimentar e veganismo, formas agrárias que se constituem como ecológicas e que não são prejudiciais ao planeta.

 

As relações de reforma agrária e franciscanismo estão entrelaçadas, porque tem a terra como irmã e mãe, não a enxergando como produto que possa ser descartado ou ainda restrito para poucos. A terra é direito para todes aqueles que desejam produzir alimentos de qualidade de forma ecológica, por isso a partilha de terras se faz essencial como ferramenta de cuidado da terra e diminuição da desigualdade no campo.

                      

                          A fraternidade não será de poucos, será de todes!

 

Aislan Soares Viçosa

Secretário Regional de Formação/Sul III.

 

Referências
NASCIMENTO, Milton. BUARQUE, Chico. O Cio da Terra. Geraes, 1976.
FIRMIANO, Frederico Daia; ASSUNÇÃO, Matheus. A atualidade da reforma agrária: <https://jacobin.com.br/2021/06/a-atualidade-da-reforma-agraria/>.
Evangelho de Mateus 5,46.
Cânticos das Criaturas - Louvados Sejas nossa Mãe Terra.
PORFíRIO, Francisco. "Reforma agrária"; Brasil Escola. Disponível em: <
https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/reforma-agraria.htm.>