No dia 19 de dezembro do último ano, as secretárias e os
secretários regionais de formação se reuniram para um Encontro Celebrativo: o NATAL DA FORMAÇÃO!!
Realizamos um amigo secreto virtual, rimos, nos divertimos, mas também falamos de coisa séria! Porque vem aí... O CADERNO DO JUBILEU!
No dia 6 de março, em que lembramos Santa Rosa de Viterbo e
comemoramos o dia da/o jufrista, vai ser lançado mais um Caderno Nacional de
Formação! E nosso time já está com tudo produzindo os textos, fazendo
convites, pensando em temas e diagramação para comemorarmos os 50 anos da JUFRA
do Brasil de um jeito lindo!
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Sobreviventes: nesse print só aquelas/es que estiveram até o fim das três horas de reunião. |
No mesmo encontro também pensamos em outras novidades... Em
breve a Formação vai alcançar uma abrangência ainda maior, vamos passar a
utilizar ainda mais nosso blog, e estaremos ainda mais próximos das irmãs e
irmãos de todo o Brasil.
Seguimos, por aqui, trabalhando em fraternidade para que o
carisma francisclariano alcance cada vez mais mentes e corações! Paz e bem!
GUADALUPE
O encontro
entre cultura, história e conjuntura,
como resistência
popular e afirmação de seu projeto histórico
XOCHITLÁLPAN (A
Terra Florida)
Relato Náhuatl da Sierra
Norte de Puebla, México
narrado e interpretado por
Mario Pérez Pérez, de origem náhuatl
O mito
de Xochitlálpan é do povo náhuatl. Náhuatl significa quatro
águas. Nesta narração mítica se mencionam vários elementos. Um elemento é o
ambiente de “flores e cantos”, o qual significa um entorno de sabedoria, de
dignidade, de verdade, de respeito. Outro é o elemento da Palavra Antiga
ensinada pelos mais velhos, que irrompe na história, no caminhar do povo,
representada pelo peregrinar de Juan Diego.
Xochitlálpan, a vida em plenitude, a terra florida, a que se refere esta narração,
localiza-se na parte alta da serra, Tepetzintli, porque em cima
dela se une a humanidade, a “nossa carne”, tonacatzin, com a
divindade, que é o lugar do umbigo que une Deus com seus filhos e filhas.
Para dirigir-se
a Xochitlálpan deve-se peregrinar “até o lugar de onde a Luz
provém”, onde amanhece, chegando até onde surge o Pai Sol. Lá, o povo se
encontra com Tonantzin, “Nossa Digna Mãe”.
Quando alguém
nasce é recebido com flores; quando alguém morre também é acompanhado com
flores; levam-se flores aos mananciais, às serras, às covas, à semeadura. Os
visitantes são recebidos com flores. Quando alguém recebe um cargo é coroado
com flores. As imagens sagradas são adornadas com flores. Tudo isso para viver
a Terra Florida, Xochitlálpan.
Em Xochitlálpan as
pessoas se realizam, tal como aconteceu com Juan Diego, que enalteceu seu
coração, se regozijou e se alegrou. Xochitlálpan é o lugar
utópico da realização da criação: os seres viventes, as pedras, as palavras, os
pássaros. Lá, tudo se torna precioso, formoso, reluzente, verdadeiro, bom,
abundante, vivificante.
Havia um
pequeno
homem
pobrezinho,
o seu nome era
Juan Diego.
Falava-se que
tinha a sua casa em Quauhtitlán.
E no que se
refere às coisas divinas,
tudo ainda pertencia
a Tlatelolco.
Era sábado,
ainda muito
cedo, pela manhã,
ia atrás das
coisas divinas
e de tudo o
que tinha sido ordenado, pedido.
E foi se
aproximando do pequeno morro,
de nome
Tepeyácac,
já quase
reluzia a aurora na terra.
Aí escutou
cânticos sobre o pequeno morro,
eram que nem
cânticos de várias aves preciosas.
Quando
interrompiam as suas vozes,
parecia que o
pequeno morro respondia.
Muito leves e
gostosos,os seus cantos ganhavam do pássaro
coyoltototl,do
tzinitzcan e de outras aves preciosas que cantam.
Juan Diego
parou
e falou para
sim mesmo:.
Por acaso
mereço
o que estou
escutando?
Estou talvez,
somente, sonhando,
ou estou
acordando agora?
Onde é que eu
estou?
Onde eu me
vejo?
Talvez lá no
lugar
onde falavam
os nossos anciões,
os nossos
antepassados, os nossos avós,
na terra
florida, Xochitlálpan,
na terra do
nosso sustento. Tonacatlapan, talvez
na terra
celestial, Ilhuicatlapan?
Ficou olhando
para lá,
para o alto do
pequeno morro,
para onde o
sol nasce,
de onde vinha
o precioso
canto
celestial.
Parou o canto,
não se
escutava mais.
Então ouviu
que alguém o
chamava
desde o alto
do pequeno morro.
Falavam para
ele: Juan Diegotzin.
Então ele
tomou coragem
e foi para lá
onde era
chamado.
Nada inquietou
o seu coração,
e nem se
alterou,
mas muito se
alegrou,
ficou feliz.
Foi subido o
pequeno morro,
foi ver quem o
chamava.
E quando lá
chegou
no cimo do
pequeno morro,
viu uma nobre
senhora
que lá estava
em pé.
Ela o chamou
para ficar ao
seu lado.
E quando ele
se aproximou,
ficou muito
maravilhado
porque
ultrapassava
toda admirável
perfeição.
O vestido dela
resplandecia
como o sol,
desse jeito
brilhava.
E das pedras e
rochas
sobre a qual
ela estava
saíam raios de
esplendor
como pedras
preciosas de jade
e como jóias
reluziam.
Como os
reflexos do arco íris
a terra se
vestia.
E os
mezquites, os nopales
e as outras
plantas e ervas
que aí
crescem,
pareciam
plumagem do quetzal,
e as suas
folhas pareciam turquesas,
e o seu
tronco, seus espinhos,
reluziam como
o ouro.
A cosmovisão
indígena tem como base a religião. Esta é fruto da história de cada povo.
Alfonso Caso, grande conhecedor do passado histórico dos povos do México,
afirma que: “A existência (dos antigos) girava totalmente ao redor da
religião e não havia um só ato da vida pública e privada que não tivesse um
sentido religioso. A religião era o fator preponderante, e intervinha como
causa até nas atividades que nos parecem mais afastadas do sentimento
religioso, como os esportes, os jogos e a guerra.”
Esta visão
religiosa antiga nos faz ver a terra com veneração, a esta chamamos, com amor e
com respeito “Nossa Mãe”, isto é, Tonana, porém da maneira mais digna a
pronunciamos como Tonantzin, “Nossa Venerável Mãe”.
A dona da
terra é Teocoatlaxiupe: “Teo” é Teotzin = Dios; coa, é coatl = serpente; tla é
Tlali = terra; xiu, é xihuitl = ano solar; pe = começo. Estes cinco elementos
são, sem sombra de dúvida, uma alusão ao Quinto Sol, também a Macuilxóchitl
(cinco-flores).
Através disso
Xochitlálpan está íntimamente vinculada a Tonantzin Teocoatlaxiupe. A expressão
da religião dos povos indígenas tem sua formulação mais acabada em Tonantzin
Teocoatlaxiupe, de forma que não se compreende a História dos povos mexicanos
sem ela, sem Tonanzin Guadalupe.
Porém o
fenômeno Guadalupense não se limita ao âmbito puramente religioso, mas afeta
toda a vida. O fenômeno Guadalupense é um lugar de encontro, de comunhão na fé,
de consolo, de esperança, de reflexão e mobilização coletiva. A Guadalupana
está em todas as partes, não só nos altares. Está nas fábricas, e os
operários a invocam e confiam a ela os trabalhos. Está nas casas e nas
esperanças das famílias. Está presente entre os intelectuais que inspirando-se
nela produziram algumas das melhores páginas dos nossos escritores como
Fray Servando, Clavijero, Francisco de la Maza, Edmundo O’Gorman e
Octavio Paz.
Naturalmente
está na própria origem da Igreja Mexicana e da força cultural e política que a
caracteriza.
“O fenômeno
guadalupano é parte viva do nosso universo psicológico e social, de nossos
mitos coletivos e da nossa dimensão nacional. Mesmo os que não somos religiosos
somos condicionados por esta mentalidade. Eu não tenho fé porém, racionalmente,
tenho que reconhecer que o processo de construção do mito guadalupano é
deslumbrante por sua complexidade e riqueza: é um verdadeiro milagre da
imaginação coletiva e das necessidades espirituais do País. Sou um guadalupano
laico, por assim dizer” afirma Aguilar Camín.
A Virgem de
Guadalupe, como símbolo de esperança e de libertação tem um lugar preponderante
na memória do povo. Ainda, ela está repleta de símbolos que afirmam nossa
identidade como povo mexicano, nela, no discurso guadalupano, recuperamos o
orgulho de ser índios. O poder de unificação é fundamental. Novamente, o
elemento religioso tem relevância.
Construiremos
e reconstruiremos nossa história nutrindo-nos em nossa cosmovisão religiosa.
Deste modo a Virgem de Guadalupe, desde sua aparição em Tepeyac (1531), para
converter-se em protetora e “piedosa Mãe” dos índios, em Zinacatán, Chiapas
(1709 – 1710), também em Santa Martha e San Pedro Chenalhó, a Virgem
desce do céu para aliviar as condições desamparadas dos índios; em Cancuc, em
Chiapas (1712 – 1713), a aparição da Virgem é interpretada por Sebastián Gómez
de la Gloria como o fim do tributo, das autoridades dos sacerdotes e do Rei da
Espanha, e como augúrio de uma época na qual os índios gozarão de sua antiga
liberdade; em Quisteil, Iucatã, (1761), a coroação de Jacinto Canek proclama o
desaparecimento do poder espanhol e a criação de um reino indígena; o movimento
milenarista tendo à frente Antonio Pérez, numa região situada nas ribanceiras
do Popocatépetl e o Valle de Cuernavaca (1761), anuncia uma nova repartição da
riqueza do mundo, o fim do domínio espanhol e uma era em que todos os bens
voltarão ao poder dos nativos. E, recentemente, em 1994, se disse no México
que, com a irrupção do E.Z.L.N., voltou a aparecer em nossa historia Juan
Diego; porém Juan Diego nunca está sozinho mas sempre acompanhado de Tonantzin
Teocoatlaxiupe.
Em todos estes
casos a revolta social adota formas da expressão religiosa, porém em lugar de
propor a felicidade no céu, propõe a transformação do mundo, convida a mudar as
condições políticas e sociais existentes. As crenças, os valores e os símbolos
que se manifestam nestes movimentos são religiosos, porém os fins e aspirações
que os motivam estão baseados no desejo de uma mudança da realidade.
O fato mais
importante da independência de 1810 é o nome carismático da Virgem de Guadalupe
invocado na Paróquia de Dolores no momento em que Hidalgo decide combater com
as armas, o governo espanhol. Depois de passar pela Paróquia de Atotonilco,
Hidalgo toma a imagem da Virgem de Guadalupe que ali se venerava e a converte
na bandeira dos insurgidos.
Todos,
seguindo a tradição de fazer da Guadalupana um símbolo que muda as aspirações
particulares de seus devotos, transformaram também a Virgem de Guadalupe numa
Virgem combatente.
Por isso, não
consideramos nossa religião como alienante, mas como o fundamento para a
transformação da realidade.
ORAÇÃO DA VIRGEM DE GUADALUPE
Mãe, tu que trouxeste ao
mundo o nosso Salvador e Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus Pai todo poderoso.
Ajudai-nos na nossa luta
cotidiana
contra a crise social,
econômica e moral que hoje suportamos.
Guia-nos nestes caminhos
onde é difícil caminhar,
Que as tuas pegadas nos
levem à divindade do teu filho
E do Nosso Pai Celestial.
Acompanha-nos com o teu
olhar para podermos continuar
recuperando em cada passo
a essência do nosso povo que não tem fim.
Dai-nos força em cada
instante porque nós, os teus filhos,
somos simples na alma e na
ida e somos da tua mesma cor.
Abençoa-nos como o fizeste
sempre,
desde que te tornaste a
Nossa Mãe,
e gravada sobre um manto
ficaste na nossa Terra.
Sentimos o teu perfume na
brisa da manhã,
nas flores que renascem,
nos tesouros que ainda
ficam
escondidos no teu manto e
que ninguém ainda descobriu.
Hoje queremos e
necessitamos da tua bondade e do teu amor.
E a nossa identidade seja
sempre uma árvore,
Ainda que sejam galhos
curtos mas com uma forte raiz.
Mãe, somos os teus povos,
somos a tua gente,
somos os teus filhos que
caminham sob a tua proteção.
Reforça a nossa “União”
para manter viva a nossa cultura e identidade.
Alimenta o nosso espírito
para sermos corajosos e fortes.
E defendamos o que é
nosso, porém com humildade.
Mãe Nossa de Guadalupe,
nunca abandones os teus filhos,
pois na tua luz reflete a
esperança que precisamos cada dia,
que vem do teu Filho Jesus
Cristo e Nosso Senhor,
que vive e reina pelos
séculos dos séculos.
AMÉM.
"Quando se fala de voltar às Bases é possível aparecer uma questão: Que tipo de presença qualifica um/a assessor/a, um/a articulador/a para falar com legitimidade? Haveria necessidade de uma presença permanente? Uma presença eventual daria conta?
A resposta a tal indagação está longe de um consenso. Contudo, se faz necessário problematizar. Parece que há acordo quanto certo distanciamento que vem se dando nos últimos tempos. No mundo da política, por exemplo, a vitória de políticos populistas e até mesmo com boa dose de fascismo, é explicada, por muitos, pelo fato de não se saber dialogar com universo popular. Nas igrejas a mesma coisa.
Defendemos que algum tipo de presença é, de fato, uma condição para qualificar, falar e escrever sobre as bases. Clodovis Boff, que escreveu uma obra clássica sobre o método teológico, ficava seis meses no Acre em trabalho com a Base, e seis meses na universidade dando aula. E como fui aluno dele percebia nitidamente o quanto sua experiência era um fator de fundamental importância em suas aulas. Foi um dos melhores professores que já tive.
Outro mestre que tem enorme sintonia com as pessoas que estão na base é Frei Carlos Mesters. Seu livro “Seis dias no porão da humanidade”, o primeiro que li, transpira povo. Mesters também é conhecido por sua presença no meio do povo.
Agora, seja qual for o tipo de presença, será necessário estar por inteiro, com humildade, com abertura até para mudar o rumo de uma assessoria se no diálogo com o povo for percebido que o processo estabelecido no início não está alcançando a interação necessária. E com grande capacidade de ouvir. Como diria Rubem Alves, precisamos de cursos de “escutatória”.
Evidente que há uma variedade enorme de presença nas bases. Muitas lideranças, inclusive, qualificaram-se ou até mesmo ascenderam economicamente te tal modo que podem com o tempo permanecer em um modelo de relação que não se comunica mais com o povo. Muitos acabam até saindo do território onde fizeram sua opção de caminhar com as comunidades. Podem até se colocar com certa arrogância e sentimento de superioridade.
É comum que setores progressistas desqualifiquem o povo quando estes optam por uma direção contrária ao que temos por convicção ser o melhor para eles. E quando nos referimos aqui ao povo ou base, estamos falando das classes espoliadas, e não do povo em geral. Podemos reagir sem tentar entender o porquê de determinadas situações. Meu mantra dos últimos tempos é: estamos dando respostas velhas a perguntas novas. Perguntas novas que exigem um reposicionamento de estratégias, de argumentos, de metodologias, pois o que fazíamos no século passado pode não ter a mesma capacidade de comunicação no presente.
Não se trata, naturalmente, de começar tudo de novo, de negar determinados pressupostos do conhecimento, ou muito menos a ética. Mas é fundamental rever convicções que não se enquadram mais na mudança de época que estamos vivendo. Aliás, mesmo no passado corríamos o risco de usar métodos que não penetravam com profundidade na existência de muitos e muitas. Assim, tanto se pode sair das bases como as bases podem não ouvir mais as lideranças locais. Pode acontecer que assessores/as, mesmo fazendo um enorme esforço para manter alguma presença nas bases, não consigam cativar o povo.
O fenômeno midiático atual entra na vida das pessoas e nossa fala pode ficar esvaziada. E não por falta de um bom conteúdo, mas por não tocarmos em mentes e corações.
O elemento pedagógico se torna fundamental. Não basta promover uma quantidade grande de formação. Faço uma pergunta curiosa: neste momento de pandemia, no qual explodiu a prática dos encontros à distância, quanto do que assistimos penetrou em nossas vidas?
Esta pergunta é uma provocação para avaliarmos o caminho escolhido: meto-odos. “Odos” é caminho em grego. Assim, sem um bom mapa para alcançar o objetivo, podemos dar muita volta e perdemos muita gente pela estrada."
O que é Teologia? Entende-se como a ciência que busca estudar o entendimento do que se constitui como Deus, junto dos aspectos de natureza, os atributos e as relações com o ser humano, e ainda, o universo. Na pesquisa etimológica, a palavra teologia vem do grego Theos (Deus) + logos (estudo ou palavra) = Estudo de Deus. Além da teologia clássica, tem-se outras teologias, por exemplo a Teologia Negra.
Para falar sobre Teologia Negra, convidamos Frei Renieverton, OFM, da Província Santa Cruz. Atualmente, o frei mora em Belo Horizonte e está encerrando a faculdade de teologia.
➡ O que é a Teologia Negra? E por que falar dela nos dias de hoje?
A Teologia Negra é fruto da experiência dos africanos da disporá estadunidense, que passaram por todo o processo de escravização. Esta por sua vez, não tem a mesma origem da teologia negra africana. A Teologia Negra diaspórica é resultado das lutas dos negros e negras que viveram ou, ainda, vivem em condição de segregação e marginalização numa sociedade branca, heteronormativa e racista. É uma realidade da cultura e das igrejas negras nos EUA, que se estendeu ao Caribe, Latinoamérica e África do Sul, na resistência contra a desumanidade causada pelo racismo – É uma teologia emergente, de fronteira e decolonial. Uma luta negra antirracista das igrejas e de movimentos sociais, iniciada na metade da década de 1960 entre os cristãos negros no EUA e liderada pelo pastor batista Martin Luther King e as lutas dos movimentos pelos Direitos Civis e do Black Power. ATeologia Negra estadunidense lutava por justiça, libertação social, política e econômica numa sociedade dominada pelos brancos. Logo, a Teologia Negra é a evocação epistêmica na contramão do colonialismo, que com toda sua pretensão, categoriza todas as outras formas de fazer teologia como marginal, periférica, herética, contextual e militante. A Teologia Negra pensa fora das categorias colonizadoras, sua práxis é dialogal, macro ecumênica, totalmente voltada ao diálogo inter-religioso, rejeitando totalmente a perspectiva universalista, salvacionista e eurocêntrica cristã. Para a Teologia Negra nenhuma religião tem si o monopólio da verdade. Por isso, a Teologia Negra não se proclama como única e acabada, pelo contrário, é uma teologia da territorialidade, do corpo e da materialidade, vivenciada e escrita todos os dias. Por isso, sua importância nos dias hoje para combater intolerâncias, racismos e todas as outras formas de segregação.
➡ Em quais pontos a teologia negra converge e em quais (se existir) ela diverge da Teologia Clássica?
A Teologia Clássica está marcada por aspectos coloniais, hegemônicos e eurocêntricos, ao passo que a Teologia Negra nos desperta para uma decolonialidade epistêmica, tendo como ponto de partida o protagonismo do povo negro, em que os mesmos possam falar das suas próprias experiências religiosas. Segundo Cone (1985), a Teologia Negra é uma teologia do povo negro e para ele, um exame de suas histórias, contos e ditos. É uma investigação da mente feita nas matérias-primas de nossa peregrinação, contando as histórias de como nós vencemos.
➡ Quais os pontos podem nos ajudar a denegrir, tornar negro, o nosso olhar de fé?
O primeiro ponto é reconhecer que fomos ensinados a ter experiências de fé que não questionam relações de subalternidade onde nosso olhar não chega às pessoas que são excluídas simplesmente por serem negras. É sempre importante se perguntar se seu olhar de fé ultrapassa os muros do dogmatismo. Um olhar de fé autêntico e enraizado na pessoa de Jesus Cristo não silencia diante de situações de racismo, opressão ou quaisquer outras formas de marginalização. É preciso questionar como as pessoas negras na sua comunidade se sentem, elas são participantes dos movimentos, assumem cargos e pastorais... um olhar de fé enegrecido é aquele que traz as pessoas que estão à margem para o centro.
➡ É possível falar de vários olhares teológicos (teologia negra, indigenista, mulherista, queer…) e como eles concretizam o experienciar Deus?
Todas as pessoas têm o direito de fazerem suas experiências com Deus, todavia, essas experiências não podem ser impostas por perspectivas teológicas em que as pessoas não se sintam representadas. As teologias de fronteira (teologia negra, indigenista, mulherista...) concretizam suas experiências com Deus a partir do momento que se tornam libertadoras e capazes transformarem a vida das pessoas. Não é possível fazer teologia se a mesma não nos tira da nossa zona de conforto ou da zona da invisibilidade, neste sentindo, tais teologias impulsionam novas categorias de existir e resistir.
➡ Você consegue destacar para nós quais os pontos do carisma franciscano que conversam com esse resgate e vivência da negritude do evangelho?
O carisma franciscano tem em sua essência o diálogo e o respeito à dignidade humana. Pontos importantes da luta negra que busca resgatar a perspectiva de uma sociedade antirracista e com equidade. Porém, se tais pontos não chegam a questão racial, ou mesmo a questão de gênero, migratória e tantas outras, nosso discurso franciscano está na superficialidade. O carisma franciscano não pode e nem deve ser dialogal apenas com uma esfera já privilegiada.
➡ Por fim, como podemos efetivar uma vivência da teologia negra dentro da fé católica e no seio franciscano? É possível inculturar a negritude, resgatando elementos advindos das religiões afro-brasileiras, sem perder a identidade?
O primeiro passo para tornar efetivo uma vivência teológica, eclesiológica e sociológica a partir da negritude é reconhecer que estamos inseridos num contexto estruturalmente racista. Ademais, aprofundar nos estudos sobre Teologia Negra, como o racismo em todas as suas esferas coloca a comunidade negra na subalternidade, questionar o porquê de pessoas negras não estarem em posições de poder e destaque como pessoas brancas. É preciso consumir produtos de pessoas negras, contratar pessoas negras para todos os cargos, se informar sobre questões raciais, cotas, políticas afirmativas. Ler autores e autoras negros, reconhecer, valorizar e respeitar as pessoas negras, sua descendência africana, sua cultura e história. Compreender seus valores e lutas, ser sensível ao sofrimento causado por tantas formas de desqualificação: apelidos depreciativos, brincadeiras, piadas de mau gosto sugerindo incapacidade, ridicularizando seus traços físicos, a textura de seus cabelos, fazendo pouco das religiões de raiz africana. Implica criar condições para que os estudantes negros e negras não sejam rejeitados em virtude da cor da sua pele, e sobretudo, não sejam “desencorajados” de prosseguir nos estudos e nos seus sonhos.
“Reconhecer Jesus nas feições negras, que Ele se encarnou
e se encarna e vive a vida do povo.”
Construção das perguntas e contribuições:
Muhamed Hochai - Jufrista/RN - PB
Maiara Bulhão - Jufrista/MA
Aislan Viçosa - Jufrista/RS
Frei Faustino, OFM
Frei Lorrane , OFM