Somos criados à imagem de Deus, afirma o Gn 1,26ss. Tanto o homem quanto a mulher são criados à imagem de Deus. No mundo ocidental, a Igreja procurou explicar o significado deste tema da imagem mediante o conceito de Pessoa. Ser criado à imagem de Deus equivale a afirmar que somos pessoas.
O que é ser Pessoa? A pergunta é importante, pois, nesta reflexão sobre o ser humano à luz da fé bíblico-cristã estaremos nos referindo continuamente à pessoa humana. A seguir, procuro mostrar uma descrição simples do que seja a pessoa. Trata-se de uma descrição, não de uma definição.
Eu sou uma pessoa, quer dizer, eu sou chamado a ser eu mesmo na relação. Vamos explicar esta afirmação.
Pelo fato de ser uma pessoa, eu sou único e irrepetível, distinto dos outros seres humanos, do cosmos e de Deus.
E, assim, sou chamado: a autopossuir minha vida, isto é, a ser senhor da minha vida, procurando rejeitar todo tipo de escravidão; a desenvolver minha capacidade de escolher por mim mesmo, isto é, a ser livre, procurando rejeitar todo tipo de manipulação; a desenvolver o meu modo próprio de ser pessoa (minha vocação pessoal), procurando rejeitar a instrumentalização. O ser humano não é um objeto ou uma coisa, é uma pessoa valiosa por ela mesma para além de toda instrumentalização ou utilização.
Mas eu sou pessoa na relação: com o mundo (mediante o trabalho, a celebração, a festa...); com os outros seres humanos (mediante o diálogo, o amor); a amizade, a confrontação...); com Deus (mediante a confiança, a fé, o amor, a obediência...).
É fácil concluir que na pessoa existem duas dimensões básicas: a interiorização e a abertura. Para que a pessoa possa amadurecer na sua personalidade, é indispensável a superação de toda dicotomia ou dualismo entre estas duas dimensões, de tal maneira que sejam desenvolvidas numa inter-relação dinâmica, cada uma aberta sempre à complementação crítica da outra.
Na descrição da pessoa, outras dimensões devem ser focalizadas. A dimensão de espiritualidade e a dimensão de corporalidade, a dimensão da razão e a dimensão do afeto, etc. Quer dizer, na pessoa humana, encontramos uma pluralidade de dimensões ou aspectos que compõem a riqueza do ser humano. Riqueza vivida na unidade que é a pessoa concreta. As dimensões não são ainda a pessoa. A pessoa (responde à pergunta: quem?) é quem possui todas estas dimensões de maneira dinâmica: a pessoa é o "eu", o "tu" concreto...
Para todos nós é dada a capacidade de ser pessoa. É urma tarefa para a vida toda. Um recém nascido já começa a ser pessoa, mas ainda não é uma personalidade “feita”, nem a criança, nem o jovem, nem o adulto, porque a pessoa não nasce feita, mas com o poder de fazer-se, de chegar à maturidade, de alcançar urna maior maturidade.
Que traços ou dimensões definem uma personalidade?
A pessoa não é uma “coisa”. As coisas se empregam para algo, são úteis para o homem. Mas a pessoa não é urna coisa, a menos que ela mesma aceite passivamente aquilo que outros querem fazer dela e neste caso ela se torna um joguete mais ou menos útil na estrutura social.
 Eu como Homem devo ser capaz de manter-me livre e criticar (reconhecer o positivo e o negativo) as coisas que encontro feitas: propagandas, ideologias, etc.
  A pessoa traça seu próprio projeto. Ela não aceita sem mais aquilo que lhe é oferecido já feito. Prepara o seu futuro vivendo criativamente o presente. Conhece suas possibilidades e trata de tirar o máximo proveito das qualidades que tem. Não se satisfaz com os caminhos já feitos pela maioria, nem com as atitudes dos burgueses, “instalando-se”, “procurando posições”, “assegurando-se um futuro”. Está consciente de que deve realizar no mundo urna obra única que ninguém fará para ela e nem por ela.
A pessoa é livre. Mas com urna liberdade interna, que não depende das circunstâncias externas em que se encontra.
 Frequentemente não poderá ser independente, mas manterá a sua liberdade... Sobretudo, se manterá livre diante da tirania que nasce dentro de si: suas paixões e sentimentos.
A pessoa busca a verdade. Sem poder dá-la por não tê-la toda. Não se instala na “sua verdade”, não se considera possuidora da verdade. Sabe ouvir os outros e reconhece a parte da verdade que os outros podem oferecer.
 Vive num contínuo esforço de superação de si mesmo e pergunta-se muitas vezes se pode fazer algo mais. Dá-se conta de que a autêntica verdade, a verdade plena, está sempre mais além de toda verdade, por isso relativiza aquilo que consegue e aquilo que já está feito, a nível pessoal e social, procurando melhorá-lo.
  A pessoa vive, na referência aos outros. Suas relações não são feitas somente para aproveitar-se, para tirar proveito, para proteger-se... O dar-se é que caracteriza suas relações sociais, procurando tornar o outro melhor, mais feliz, embora pessoalmente não consiga nenhum proveito imediato.
 A pessoa ama, não busca seu egoísmo próprio. Encontra-se com o outro, aceitando-o como ele é. A pessoa se solidariza com os outros, começando pelos mais próximos, mas sem que nada do humano lhe resulte estranho.
Como franciscanos, devemos ter esta visão do ser humano. A nossa espiritualidade visa o ser humano no todo, quer refazer o caminho de Jesus: dirigir ao coração, à consciência, ao corpo, ao cuidar, sanar, curar, dar ânimo para consolar o humano.
Francisco e Clara de Assis fizeram este caminho: através do cuidado com os leprosos, fazendo uma estreita comunhão com os pobres, reconstruindo aquilo que estava decadente, sobretudo a pessoa de cada um deles mesmos. Por isso, fazer a opção por Jesus Cristo, no caminho franciscano é tentar uma transformação na vida. Ou melhor, é ir além da tentativa para se tornar um ser humano melhor.


Frei Fabrício Ferreira, OFMCap