ESPECIAL CAMPANHA DA FRATERNIDADE - PAMPAS
Entrevistado:
Dr. Gustavo Heiden (Pesquisador – Botânica e Recursos Genéticos e Curador do
Herbário na Embrapa Clima)
JUFRA do Brasil –
Gustavo, conte-nos um pouco sobre sua vida, motivações e como/porque você
começou a trabalhar com o Bioma dos Pampas?
Gustavo
Heiden – Eu nasci, cresci e vivi no Bioma Pampa a maior parte da minha vida.
Desde pequeno minha atividade predileta era caminhar pelos campos e observar a
natureza. Nos últimos anos pude testemunhar uma aceleração enorme no ritmo de
degradação dos pampas ao mesmo tempo em que tive a oportunidade de estudar
Ciências Biológicas e posteriormente mestrado e doutorado em Botânica,
ampliando e aprofundando meus conhecimentos sobre esse bioma. Ao longo da minha
formação acadêmica e atuação profissional na pesquisa foi possível percorrer
boa parte dos pampas no Brasil e nos países vizinhos, o que sempre me trouxe
sentimentos de admiração da riqueza natural desse bioma, mas ao mesmo tempo de
preocupação, ao ver o quanto dos pampas vem sendo degradado, explorado de forma
inadequada e destruído, trazendo perdas irreparáveis para as gerações atuais e
futuras. Esse misto de admiração e preocupação me motiva a seguir trabalhando
com o Pampa, de forma a garantir um melhor aproveitamento dos recursos que ele
oferece, aliado a preservação da biodiversidade.
JB – Quais as
contribuições que a pesquisa científica pode fornecer às lutas de conservação e
preservação dos biomas?
GH
– A pesquisa científica pode desenvolver tecnologias para o aproveitamento
sustentável dos biomas, trazendo benefícios socioeconômicos para as populações
que vivem neles e reconhecer áreas e espécies prioritárias para a conservação
dos serviços ambientais e da biodiversidade. Também pode documentar e pesquisar novas
formas de uso sustentável das paisagens e da biodiversidade melhorando a
qualidade de vida e aumentando a conscientização da sociedade para a
importância da conservação e preservação dos biomas, por exemplo. Na área onde
atuo temos vários exemplos de pesquisas em desenvolvimento nesse sentido, que
englobam o manejo e uso sustentável dos butiazais e campos nativos do Bioma
Pampa, o mapeamento de áreas para a conservação da biodiversidade nas áreas
originárias de ocorrência de plantas nativas de interesse, o resgate de
espécies nativas ameaçadas para a conservação sob cultivo, a pesquisa de novos
usos para a biodiversidade, o monitoramento de espécies exóticas e o próprio
conhecimento básico da biodiversidade, por meio de inventários da flora nativa.
JB – Qual a relação de
dependência das populações em relação ao bioma e quais os principais impactos
que a perda do bioma tem causado nas vidas destas comunidades?
GH
– As populações humanas dependem diretamente dos biomas onde vivem, pois eles
prestam serviços ambientais essenciais para a nossa sobrevivência. Exemplo
disso é o fornecimento de água, purificação do ar, solos para cultivos de
alimentos, manutenção da biodiversidade e das paisagens naturais para usos atuais
e futuros, para o lazer e o bem estar. No caso do Bioma Pampa, ele ocupa mais
da metade do Rio Grande do Sul, todo o Uruguai e a parte mais populosa da
Argentina, logo, as populações que vivem nele dependem diretamente do uso
sustentável dos pampas para a sua sobrevivência. O Bioma Pampa foi determinante
para a formação da cultura gaúcha, compartilhada entre os habitantes e hoje
espalhada para além dos limites do próprio bioma. A preservação dessa cultura
está intrinsecamente ligada ao ambiente natural do Pampa. Além disso, o Bioma
Pampa é um dos poucos ambientes onde é possível conciliar atividades econômicas,
como a pecuária com a preservação da biodiversidade, por exemplo, através do
manejo conservativo de campos nativos com pecuária extensiva. Também é no Bioma
Pampa Brasileiro onde se cultiva boa parte do arroz consumido no Brasil entre
várias outras culturas de clima subtropical e temperado. Nos casos onde esse
bioma não foi explorado de forma sustentável há exemplos conhecidos de falta de
água, poluição do ar e chuva ácida, erosão do solo e arenização, contaminação
de aquíferos por agrotóxicos, perda de biodiversidade com extinção local de
espécies.
JB – Quais os impactos
das ações antrópicas nos biomas?
GH
– No caso do Pampa, os principais impactos antrópicos causam a remoção,
alteração ou substituição da vegetação nativa de pastagens naturais e matas com
perda irreparável da cobertura do solo, da biodiversidade. Também prejudica a qualidade
dos serviços ambientais por meio de atividades sem o devido planejamento de
mineração, expansão urbana, monoculturas ou manejo inadequado da pecuária.
Esses impactos são, por exemplo, a mineração de carvão mineral ou propostas de
mineração de chumbo e terras raras, plantios extensos de monoculturas
florestais sem um zoneamento e manejo apropriado. Também o uso desmedido de
herbicidas, excesso de lotação de carga animal sobre o campo nativo, causando
perda de biodiversidade e erosão do solo, e a introdução de espécies exóticas
invasoras como, o pinho, o capim-annoni e o javali, que são espécies
originárias de outras regiões do mundo as quais competem e excluem as espécies
nativas de flora e fauna.
JB – Qual importância dos
Pampas na inter-relação com os demais biomas brasileiros?
GH
– No Brasil, o Bioma Pampa limita-se inteiramente com o Bioma Mata Atlântica e
compartilha com esse Bioma muitas espécies em comum. O Rio Grande do Sul
representa uma área de transição entre a Mata Atlântica tropical e subtropical
e as vegetações de clima temperado do Sul da América do Sul. É nesse contexto
que os campos, savanas e matas do Pampa brasileiro se inserem, pois muitas
espécies típicas de Mata Atlântica possuem o seu limite sul de distribuição no
Pampa. Além disso, nessa região de transição existe um número elevado de
espécies endêmicas (que só existem nesse local e em nenhum outro lugar do
mundo), adaptadas a microambientes muito específicos que só são encontrados
nessa zona de mosaicos entre esses dois Biomas. Além disso, a sazonalidade do
clima do Bioma Pampa, com quatro estações bem definidas, reforça a participação
desse bioma como essencial nas rotas migratórias de várias espécies de outros
biomas brasileiros e da América do Sul, quer sejam espécies que vem do sul da
América do Sul atrás de um inverno mais ameno, quer sejam espécies migratórias
de outros biomas brasileiros os quais vêm para o Pampa em outras estações do
ano para se reproduzir, aproveitando a alta produtividade biológica dos meses
de primavera, verão e outono, por exemplo. A predominância de vegetações
campestres no Pampa propiciou o desenvolvimento de formas de manejo sustentável
dos campos nativos, assim como também ocorre no Bioma Pantanal, onde a pecuária
também pode ser desenvolvida de forma sustentável, o conhecimento da exploração
sustentável dos campos nativos desses biomas seria comparável à exploração
sustentável com agroflorestas nos Biomas Amazônia e Mata Atlântica e poderia
encorajar ações de pesquisa semelhantes de uso sustentável das vegetações
campestres de outros biomas brasileiros. Por fim, se formos olhar em uma escala
global, a latitude equivalente onde o Bioma Pampa está inserido, corresponde a
zonas árias em outras regiões do mundo como os desertos Chileno, Australiano e
do continente Africano. Porém, aqui o clima é muito mais úmido, pois o regime
de chuvas na região do Pampa é altamente influenciado pela umidade que vem da
Amazônia ao mesmo tempo em que as frentes frias que entram pelo Sul do Brasil
influenciam o regime de chuvas que sustenta a Mata Atlântica. Então, mesmo
sendo biomas extremamente distantes e distintos entre si, Pampa e Amazônia
interagem e exemplificam a complexidade e interdependência de relações entre os
biomas brasileiros.
JB – Há alguma ação
simples (do cotidiano) das pessoas que pode contribuir para preservação do
bioma?
GH
– Existem várias ações simples que influenciam diretamente na preservação do
bioma em que vivemos e a maior parte delas está relacionada ao consumo
consciente, isto é, reduzir o desperdício de água (já que a poluição de
efluentes afeta o bioma como um todo), reduzir o consumo de energia (já que a
abertura de novas minas de carvão compromete áreas enormes do pampa), evitar o
uso de produtos descartáveis (áreas enormes do pampa estão sendo antropizadas
pelo plantio de pinho e eucalipto para a produção de celulose), e acima de tudo,
conhecer a origem dos alimentos que consumimos, valorizando a produção
familiar, regional e orgânica de alimentos, já que melhora o desenvolvimento
socioeconômico local como um todo e reduz a demanda por recursos naturais. Um
exemplo importante de como nossas escolhas de consumo afetam na preservação do
bioma é o caso da pecuária, pois quando consumimos carne proveniente de
pecuária realizada na Amazônia estamos diretamente influenciando no
desmatamento desse bioma. Por outro lado, se temos a escolha de comprar
produtos da pecuária realizada em áreas de manejo conservativo com pecuária
extensiva do Pampa ou do Pantanal , estamos sendo parceiros na preservação da
biodiversidade das vegetações campestres, permitindo um uso econômico e
ambientalmente sustentável desses biomas, evitando assim que áreas de vegetação
nativa sejam substituídas por monoculturas, causando a liberação de toneladas
de dióxido de carbono na atmosfera. Exemplos de pecuária sustentável são as
áreas onde atua a Alianza del Pastizal (http://www.alianzadelpastizal.org/).
JB – Qual a importância
da sensibilização da sociedade e qual o papel da sociedade (organizada ou não)
nas ações de conservação/preservação dos biomas?
GH
– A sensibilização da sociedade é um passo crucial para a
conservação/preservação dos biomas, pois só quando a sociedade estiver
sensibilizada e incorporando atitudes sustentáveis no dia-a-dia teremos
resultados palpáveis para a preservação dos biomas. Além disso, uma sociedade
sensibilizada deve buscar escolher e cobrar representantes políticos
comprometidos com os biomas, além de cobrar a iniciativa privada por ações que
não comprometam a qualidade do ambiente em que vivemos.
JB – A Juventude
Franciscana tem incentivado formações e ações concretas para o cuidado e
preservação do meio ambiente. Que mensagem você deixa para essa juventude?
GH
– A Juventude Franciscana é um exemplo de como a busca pela preservação do meio
ambiente deve ser um assunto a ser discutido no cotidiano dos mais diversos
segmentos da sociedade até que essa discussão resulte na sensibilização e
tomada de ações concretas. O exemplo de vocês deve ser parabenizado e seguido
por inúmeros setores da sociedade.
Links
complementares para conhecer mais o Bioma Pampa
-
Povos tradicionais que habitam o Pampa (Fundação Luterana de Diaconia)
-
Livros e Manuais (Fundação
Zoobotânica do Rio Grande do Sul (FZB/RS))
http://www.fzb.rs.gov.br/lista/497/Livros_e_Manuais
Equipe Entrevistas Biomas
Muhammed Araújo
Secretário Regional de Formação (PB/RN)
Maricelia Ribeiro
Secretária Nacional para a área Centro Oeste
Secretária Regional de Formação
Magno Almeida
Secretário Regional de DHJUPIC PE/AL
Bruno Fábio Santana
Gestor Ambiental
Revisão
Amanda Rocha
Secretária Regional de Formação (RS)
Colaboração
Adrielly Alves
Secretária Nacional para a área Norte
Equipe Nacional de Formação
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