ESPECIAL CAMPANHA DA FRATERNIDADE - CAATINGA
Entrevistado: Alexandre
Henrique Pires
Conte-nos um pouco sobre
sua vida, formação, trabalho, sua trajetória no campo da sociedade civil
organizada.
Bom, meu nome é Alexandre
Henrique Bezerra Pires, sou natural de Jabitacá, distrito do município de
Iguaraci no Semiárido de
Pernambuco. Quando criança, meu pai levava eu e meus outros quatro irmãos para
a roça, onde desempenhávamos atividades da agricultura de forma muito lúdica e
leve. No entanto, meus pais, assim como a maioria dos agricultores/as da
região, queriam que os filhos tivessem uma melhor qualidade de vida e não
enxergavam que a agricultura trouxesse essa qualidade, por isso usavam
sempre uma expressão que me marcou muito “vocês têm que estudar para ser gente
na vida”. Essa frase era usada para nos estimular a estudar e não ter que
trabalhar na agricultura, que era tida por eles e por muitos como uma atividade
de pouco valor e de caráter penoso. Aos 14 anos de idade fui morar em Recife na
casa de uma tia/prima, onde tive a oportunidade de fazer o ensino médio,
graduação e pós-graduação. Em 2007 me formei em Licenciatura em Biologia pela
UFRPE, quando no mesmo ano tive a oportunidade de começar a trabalhar no Centro
Sabiá, que é uma ONG que trabalha com agricultores familiares na perspectiva da
Agroecologia e da Convivência com o Semiárido. Posteriormente, em 2011 concluí
o mestrado em Extensão Rural e Desenvolvimento Local, pelo POSMEX na UFRPE.
Trabalho no Centro Sabiá desde 2002, onde tive a oportunidade de assessorar
grupos de famílias agricultoras no Território do Pajeú, assumir a Coordenação
Técnico-Pedagógica e estar na Coordenação Geral do Centro. Esse espaço de
trabalho me permitiu participar de espaços de articulação da sociedade civil
como a Articulação no Semiárido (ASA), a Rede ATER Nordeste e a Articulação
Nacional de Agroecologia que, embora com pautas especificas, são redes que
oportunizam a troca de experiências e construção de estratégias de incidência
nas gestões públicas. Também tive a oportunidade de contribuir no Conselho
Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional de Pernambuco (CONSEA/PE) de 2007
a 2016, e na Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO), os
quais são espaços de monitoramento das políticas públicas no diálogo entre
sociedade civil e estado.
A Caatinga é um bioma
exclusivamente brasileiro, ou seja, não é possível encontrar em outro lugar do
planeta ambiente com as mesmas características de clima, solos, vegetação e
animais iguais aos da Caatinga. Essa particularidade torna a Caatinga um bioma
muito especial e requer de toda a população atenção e prática de usos
sustentáveis para seu uso com preservação e por parte do estado brasileiro a
constituição e implementação de mecanismos eficientes de gestão a partir do
interesse público e de mecanismos para sua proteção. A Caatinga está localizada
principalmente nos estados do Nordeste brasileiro e estende-se ao norte de
Minas Gerais. O Semiárido Legal acaba por se configurar como um Território
socioambiental e cultural o qual inclui a Caatinga, por isso tem esse bioma
como grande referência para a construção da perspectiva da convivência com o
ambiente. O regime de chuvas na Caatinga é caracterizado por período médio de
quatro meses, que ocorrem de forma irregular no tempo e no espaço, fator que
cria diferenças marcantes na disponibilidade de água nos diferentes ambientes
do bioma. A Caatinga é formada por plantas que, ao longo de milhares de anos,
foram se adaptando às condições climáticas. Como as plantas respiram e perdem
água pelas folhas, elas se adaptam aos longos períodos de estiagem e
perdem suas folhas após o período chuvoso para estocar água em seus
galhos, caules e raízes e se mantêm vivas até o período de chuvas seguinte. Por
isso, é curioso e “mágico” quando dias após uma chuva encontramos plantas antes
secas com folhas novas. Entre outras características da Caatinga, também
podemos destacar a população que nela vive, ter a qual ao longo de décadas tem
observados e aprendido sobre os fenômenos naturais e das plantas, o que,
entre outras perspectivas, gera um amplo conhecimento do potencial alimentício,
curativo e produtivo das plantas da Caatinga. Dessa forma, são destacadas
práticas de armazenamento de alimentos, sementes e água como estratégias
para o bem viver nesse lugar.
É muito pertinente
entendermos que cada um dos biomas brasileiros tem conexões entre si, e se
implicam numa construção harmônica para o equilíbrio do próprio planeta. Então,
se qualquer um dos biomas brasileiros ou de outras regiões do planeta se
extingue, gera uma serie de consequências socioambientais, culturais e
políticas que podem ser desastrosas para nossa sociedade. Estamos falando do
papel que cada bioma desempenha para o equilíbrio ecológico do planeta, e esse
equilíbrio está relacionado ao ciclo das águas, à manutenção da biodiversidade
para o equilíbrio da fauna e flora, mas também podemos falar dos usos que as
populações fazem do bens gerados e disponíveis pela Caatinga. Podemos dizer que
haveriam muitas dificuldades para se viver sem a Caatinga uma vez que seu
equilíbrio ecológico também influencia na disponibilidade de água, de produção
de alimentos, de recursos energéticos como a madeira, e também das dimensões
subjetivas e simbólicas que constituem a identidade das pessoas que vivem no
Bioma. Os povos tradicionais como os indígenas, quilombolas, ribeirinhos e
agricultores familiares utilizam-se de muito daquilo que a Caatinga produz para
seus processos de produção e reprodução sociocultural, por isso a importância
das pessoas conhecerem mais sobre as riquezas da Caatinga para que possam
valoriza-la e preserva-la.
Eu diria que entre os
principais impactos da ação humana gerados negativamente para a Caatinga são
o desmatamento e as queimadas. O desmatamento é
uma prática para várias finalidades, entre elas, e talvez a principal, a
geração de energia. Assim, podemos dizer que há uma urgente necessidade de se
repensar o modelo de desenvolvimento que são adotados pelos municípios e
estados que ainda são dependentes da madeira da Caatinga para produção de
carvão e lenha como fonte de energia. O desmatamento gera uma série de
consequências para o ambiente e consequentemente para as pessoas, como a
diminuição da disponibilidade de alimento para os animais, como as abelhas,
aves e répteis, a diminuição dos canais que são as raízes das árvores para a
recarga ou reabastecimento das águas subterrâneas. Isso requer uma
exposição sobre outra prática que, associada ao desmatamento, está esgotando de
forma drástica a disponibilidade de água no subsolo que é a perfuração de poços
por particulares e pelos governos como soluções para o abastecimento de água.
São duas práticas que juntas ampliam significativamente a gravidade sobre a
diminuição das reservas de água subterrânea. Outra ação é que sem as árvores os
solos ficam expostos à incidência solar, aos ventos e às chuvas, fenômenos que
contribuem para a perda da fertilidade dos solos, erosão e por fim para os
processos de desertificação. Quanto às queimadas, essas são práticas que
agravam ainda mais essa última situação, contribuindo sobretudo para a
diminuição dos microrganismos nos solos, os quais são responsáveis pela
decomposição da matéria orgânica e fertilização dos solos.
Sim, a economia de água e
de energia estão estreitamente relacionadas com a preservação de todos os
biomas, entre eles a Caatinga. Na medida em que as pessoas que vivem nas
cidades usam a quantidade de água e energia elétrica apena necessária,
elas contribuem para a manutenção da água no ambiente e menos necessidade de
geração de energia. No entanto, temos que entender que apenas a incorporação
dessas práticas pela população não resolve as dificuldades de disponibilidade
de água, cada vez menos disponível na natureza, uma vez que segundo a ONU o
consumo humano de água é de apenas 6%, enquanto que a indústria consome 21% e a
agricultura irrigada consome 73%, então necessita-se ter políticas de
desenvolvimento que olhem para essas realidades. Outras práticas, como o não
desmatar e não queimar, também ajudam a preservar a Caatinga e me refiro a
gestos simples, como não retirar uma simples árvore no quintal de uma casa na
cidade.
Qual a importância da
sensibilização da sociedade e qual o papel da sociedade (organizada ou não) nas
ações de conservação/preservação da Caatinga?
Para que a Caatinga seja
conservada ou preservada, há uma necessidade generalizada de se conhecer mais
sobre a Caatinga. Os aspectos cinzentos e espinhosos de algumas plantas
associado às imagens que se construíram das pessoas que vivem na Caatinga ou no
Nordeste ou no Semiárido brasileiro, formaram no imaginário das pessoas locais
ou de fora, uma imagem da Caatinga como um ambiente repulsivo, perigoso, feio e
de pouco valor. Esse entendimento enraizado na cultura e comportamento das
pessoas gera um processo de destruição da Caatinga. Aqui reside uma importante
estratégia para que a sociedade organizada em associações, grupos, coletivos ou
conselhos possam reivindicar das prefeituras e governos estaduais, chamada
Educação Contextualizada. Ela contemplerá conhecimentos que valorizam a
Caatinga levando para todas as crianças, adolescentes e jovens das cidades ou
zonas rurais que estão no bioma, se tornando uma diretriz política para a
formação continuada de professoras e professores, bem como de conteúdos e
práticas pedagógicas. Também há que se buscar incidir nas instâncias públicas
para que a Agroecologia e a Convivência com o Semiárido sejam assumidas como
política pública nos municípios e estados, capaz de reorientar práticas de
cultivos que ampliando a capacidade produtiva e de geração de renda valorizem a
biodiversidade, recuperem e conservem os solos, a vegetação e as fontes de
água. Adotem a Agrofloresta como forma de cultivo que recupera áreas degradadas
e garante a capacidade produtiva. Além do mais, a sociedade organizada é também
capaz de reivindicar e pressionar os meios de comunicação para que assumam a
responsabilidade de uma comunicação voltada para os interesses públicos e não
do interesse dos mercados, também pressionar gestores públicos do executivo e
legislativo para reivindicar a construção de diretrizes e planos de
desenvolvimento locais que preservem os bens comuns em nome das atuais e
futuras gerações.
A Juventude Franciscana
tem incentivado formações e ações concretas para o cuidado e preservação do
meio ambiente. E, nesse clima da Igreja Católica buscar vivenciar esse momento
novo, em torno da preocupação e ações por uma Ecologia Integral, que mensagem
você deixa para essa juventude?
Minha admiração e respeito
pela prática resistente e persistente da Juventude Franciscana. No atual
contexto mundial, ser cristão católico guiado pelo Papa Francisco é um privilégio,
por isso precisamos nos inspirar em suas palavras e gestos que têm mexido com
perspectivas antes isoladas da fé e do ser cristão. As práticas e construções
da Juventude Franciscana já são uma vívida demonstração de que é mais que
necessário e urgente a preocupação com a “casa comum” por isso, tenho dito e
acredito que a Campanha da Fraternidade de 2017 é uma grande oportunidade para
viver essas práticas e construções em defesa da ecologia, em defesa de nossos
Biomas que são fonte para a manutenção de nossa vida em plenitude. Por isso,
façam retiros no meio da Caatinga onde celebrando possam conhecer e coletar
sementes de plantas da Caatinga, façam mutirões e produzam mudas e distribuam
entre as pessoas, programem romarias às comunidades rurais e façam vivências
para conhecer qual a importância da Caatinga para a vida das pessoas que vivem
no campo, trabalhem e conversem com essas pessoas. Dialoguem com suas
professoras e dirigentes escolares e programem atividades nas Câmaras de
Vereadores e Prefeituras cobrando ações e recursos para preservar nossa
Caatinga, sejam suaves, valorizem e mostrem as belezas da Caatinga em suas
cidades e ao mundo. Vivam esse ano dedicado à Caatinga.
Fotos: Portal Semear (http://www.portalsemear.org.br/multimidia/fauna-e-flora-do-semiarido/)
Equipe Entrevistas Biomas
Equipe Entrevistas Biomas
Muhammed Araújo
Secretário Regional de Formação (PB/RN)
Maricelia Ribeiro
Secretária Nacional para a área Centro Oeste
Secretária Regional de Formação
Magno Almeida
Secretário Regional de DHJUPIC PE/AL
Bruno Fábio Santana
Gestor Ambiental
Amanda Rocha
Secretária Regional de Formação (RS)
Colaboração
Adrielly Alves
Secretária Nacional para a área Norte
Equipe Nacional de Formação
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