CLARA DE ASSIS - A VOCAÇÃO - Frei Vitório Mazzuco, OFM


O jubileu de Clara de Assis começou a ser preparado em 2009 com o tema: A VOCAÇÃO. Como podemos refletir sobre a vocação de Clara de Assis? Há certo momento da vida que uma convocação bate na alma e a pessoa começa um processo de mudança de pensar, mudança de jeito e de lugar. Não dá para permanecer o mesmo quando uma inspiração começa a tomar conta. Mesmo num contexto diferente de Francisco de Assis, Clara de Assis fez um itinerário espiritual de penitente. Percorrer um verdadeiro caminho penitencial significa mudar de lugar. Clara sai do palácio e vai ao mosteiro. Sai do brilho da nobreza e vai para a transparente simplicidade da pobreza. Sai das etiquetas da nobreza e abraça uma Regra de Vida com forte expressão do Evangelho. Sai da vontade da família biológica e acolhe os desígnios de Deus que a envia a uma família espiritual de Irmãs. Do convívio com Damas Nobres vai ser a mãe e irmã espiritual de Damas Pobres.

A vocação de Clara é conversão, isto é, deixar-se moldar por Deus numa mudança radical dos rumos de sua vida. Ela passa a ser uma mediação humana do projeto divino. Sempre a mediação passa por algo ou alguém. Francisco passou pelos leprosos para chegar até Deus; Clara passou por Francisco para chegar ao Evangelho vivido em seu modo mais límpido.

“Depois que o Altíssimo Pai celestial, por sua misericórdia e
graça, se dignou iluminar meu coração para fazer penitência
segundo o exemplo e ensino de nosso bem-aventurado pai
Francisco, pouco depois de sua conversão, com algumas
Irmãs que Deus me dera logo após a minha conversão, eu lhe
prometi obediência voluntariamente, como o Senhor nos
concedera pela luz de sua graça através da vida admirável e
do ensinamento dele”. (Testamento de Clara 24.25)


Clara não tem um rompimento com seu passado, mas sublima sua vida anterior. Não é uma vida de pecado, como de muitos convertidos, mas sim uma vida sadia vivida na infância e adolescência, na juventude e nos cuidados de uma família que sempre a quis bem nascida e bem educada nos mais nobres costumes da corte. Ela não precisou libertar-se das vaidades do mundo, pois já era livre em dividir em obras de caridade e atendimento aos necessitados os bens que possuía, e ser serva entre as servas. Não há vaidade para quem exercita caridade. Vocação é fazer valer o coração e direcionar o centro dos sentimentos para algo maior.

Vocação é ter encontros com modelos vivos. Clara encontrou-se algumas vezes com Francisco de um modo discreto e secreto. Vocação tem este jeito de não fazer barulho; deixar tudo crescer quietinho antes que a opção apareça bem nítida. Depois sim, quanto tudo está evidente começar a dizer. Os dois descobriram que vocação é abrir o coração para um amor sem reservas. Vocação é atração. O que atraiu Clara? O Amado! O mesmo Amado de Francisco, o Deus de Nosso Senhor Jesus Cristo! Francisco apenas mostrou para ela que o Amado é real, próximo, pobre e simples. Ele mostrou para ela que o Amado se fez carne no despojamento total da Senhora Dama Pobreza. Ela revelou para ele que o Amado é o Espelho, reflexo da Beleza Maior. Os dois viveram um cristianismo de sedução, de encantamento, de seguimento apaixonado. Assim como para Francisco, também não foi fácil para Clara os passos da ruptura; foram passos decididos e corajosos. A atração foi tão grande que foi um pulo: fugir de casa, arriscar a reputação, abalar a família e a cidade de Assis, e criar um novo modo de viver uma clausura plena da liberdade e realização de quem ama. Escreveu até uma carta à princesa amiga e santa, Inês de Praga , dizendo assim:


“Que troca maior e mais louvável: deixar as coisas
temporais pelas eternas, merecer os bens celestes
em vez dos terrestres, e possuir a vida feliz para
sempre!” ( 1CtIn 30 )

Vocação é perceber que a convocação é divina inspiração, é preciosa predileção, é acolhimento que vai purificando e guiando a escolha. Mudar de lugar é real para Clara: de seu palácio para a Porciúncula; dali até as beneditinas de Bastia, uma hospedaria de aconchego e proteção; dizer para o tio Monaldo e seus cavaleiros que não voltará mais para a casa, pois agora é uma mulher devotada; depois a vida simples em Santo Ângelo de Panzo. Atrair e reunir a irmã Inês, uma amiga de juventude, o incentivo dos frades, o primo Rufino, que também foi seguir o Evangelho; as preces do pai Francisco, a irmã Beatriz, a mãe Hortolana, as outras Irmãs...e estava aberto o definitivo caminho de São Damião. Enfim chegou aos pés do expressivo Amado, grudado no Amor e na Cruz. Ali Clara cuidou para sempre do lugar da inspiração, o lugar da Vocação, abraçou o Cristo Pobre como uma fecunda virgem pobre.

Em São Damião o recolhimento, o silêncio, a prece, a convivência, o discernimento, a luz para sua nova Ordem e a Ordem dos Mendicantes. Um encontro entre a ação e a contemplação só podia dar conversas de fogo a incendiar a ceia no bosque. O futuro das duas Ordens depende da direção espiritual segura do pai Francisco e do ardente e apaixonado amor da mãe Clara. O futuro das Ordens está na junção da missão e da oração, e nos corações abrasados de tanto amor!

Em São Damião uma vida elevada na Transcendência tem a austeridade na imanência. Não é apenas o escondimento no claustro, mas a imersão no útero de um novo nascimento. Nascer para o um novo Amor, nascer para a Boa Nova, nascer para um novo modo de fazer o chamado sempre ser escutado e não sair mais do lugar do encantamento.

Fonte: http://carismafranciscano.blogspot.com/