Não vim para ser servido, mas para servir ( cf. Mt 20,28), diz o Senhor. Aqueles que foram constituídos acima dos outros se gloriem tanto deste ofício de prelado como se tivessem sido destinados ao ofício de lavar os pés dos irmãos. E se mais se perturbam por causa do ofício de prelado que lhes foi tirado do que por causa do ofício de lavar os pés, tanto mais ajuntam bolsas para perigo da alma (Exortação de São Francisco, IV).

1- Quando nos propomos a fazer uma reflexão sobre a nobreza e a beleza do serviço na concepção de Cristo, quando queremos compreender a mística do serviço, quando jovens da JUFRA se dispõem a aceitar o “serviço” dos irmãos durante um determinado período é oportuno ter em mente a exortação/admoestação de Francisco colocada como frontispício destas paginas. Jesus afirma ter vindo para servir. Os que são escolhidos para animar a vida da JUFRA haverão de fazê-lo num espírito de serviço humilde, sem qualquer desejo de dominação. Sua autoridade é a autoridade do serviço. Servir é lavar os pés dos irmãos. Trata-se de uma honraria às avessas. Os jovens precisam de jovens que os sirvam. Servir é amar de verdade. 

2- Há muitas modalidades de serviço. Há o mútuo serviço amoroso dos esposos, dos pais para com os filhos, dos filhos para com os pais. Há essa atenção carinhosa e preventiva do cuidador do doente e do ancião. Há as atenções para com as crianças que não se dão conta dos perigos aos quais se expõem. Há aqueles que se esforçam em recolher os caídos à beira do caminho, levando-os para uma hospedaria, deixando o necessário para que o doente seja cuidado, com a promessa de passar outra vez pelo local e pagar o que ainda for gasto. Há serviços prestados que são justamente remunerados mas que não deixam de ser serviços; há prestações de serviço feitas de maneira gratuita e benévola. 

3- A Juventude Franciscana é um movimento que se insere no franciscanismo, nascido da amorável figura de Francisco de Assis, pobre de Deus, servo dos irmãos e das criaturas. Os que assumem tarefas e são escolhidos para estar à frente dos irmãos poderão ser anjos para as Fraternidades JUFRA do País. O Secretariado Nacional existe para que as Fraternidades locais sejam vigorosas e fortes. A finalidade de seu serviço é ajudar os jovens a descobrir o tesouro do Evangelho, abri-lo, extasiar-se diante dele. Os dirigentes da JUFRA desejam que os jovens franciscanos tomem gosto em viver a vida nova de cristãos. O coordenador da Pastoral da Juventude na diocese de Vicenza, na Itália, Andrea Guglielmi, descreve em que consiste o serviço ou a pastoral dos jovens: “A pastoral da juventude é um entrelaçado de ideias, relacionamentos, acontecimentos formativos, celebrações, associações/grupos/movimentos com a finalidade de provocar nos rapazes, moças e adolescentes um encontro pessoal com Cristo. Este é o tesouro precioso: a amizade com Jesus de Nazaré. Tal se dá através do tecido dos relacionamentos e de experiências vividas na comunidade cristã". Todo o serviço prestado pelos jovens do Secretariado nacional visará precisamente fazer com que os jovens encontrem Cristo e sejam seus discípulos ao longo da vida e o sejam na perspectiva evangélica de Francisco de Assis. Dizendo de outra forma: os jovens precisam entrar numa dinâmica de conversão. Primeiramente haverão de encontrar o Cristo, experimentarão, nas Fraternidades, como que um novo nascimento. Farão o exercício de generosa e alegre abertura aos outros. Personalizarão sua fé. Estarão para sempre num processo de maturação e de santificação. Para isso existe a JUFRA. 

4- Ora, todos vivemos a serviço, serviço dos nossos, serviço do Senhor, serviço dos irmãos da JUFRA. Um ditado meio batido afirma: “Quem não vive para servir, não serve para viver". Ora, não podemos buscar a mística do serviço sem nos referirmos ao lava-pés que nos foi descrito pelo evangelista João. A Igreja declarou que os sacramentos do Reino são sete. Há os que sugerem um oitavo sacramento, o do serviço. Quando prestamos serviço aos irmãos encontramos o próprio Cristo. A matéria da eucaristia é o pão e o serviço prestado, a matéria do sacramento da caridade. Todo sermão do Lava-pés se situa na fronteira da quinta com a sexta-feira da paixão. A quinta-feira da Ceia e do Lava-pés se entrelaça com o mistério da passagem, com a páscoa, com o dom da vida de Cristo no alto da cruz. Para continuar nossa reflexão seria importante que os leitores se dessem ao trabalho de ler João 13, 1-20. 

5- Tudo começa com uma longa frase: “Antes da festa da Páscoa, Jesus sabia que tinha chegado a hora de passar deste mundo ao Pai. Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim". Jesus participa de uma refeição com seus discípulos. Vai, no entanto, deixar a mesa para realizar um gesto simbólico. Há uma interrupção. A mesa estava posta e a refeição poderia ter sido realizada. Mas Jesus quer colocar plasticamente um elemento fundamental. Talvez o segredo de Jesus possa ser percebido através do gesto. Jesus exprimirá sua condição de servo, deixando o manto. Não seria o anúncio da morte como um dom? Depois retomaria o manto. Este pormenor poderia apontar para a ressurreição? 

6- Lavando os pés dos seus discípulos o Mestre não faz uma encenação. Jesus vai se levanta, deixa o ordinário, o "normal", a roupa solene. Adota a condição de servo. Coloca uma toalha em volta da cintura. Não quer ser espetacular e fazer coisas exteriores, não deseja causar impacto nos espectadores. A totalidade de sua pessoa se revela no gesto. É o segredo de Jesus que transparece. Ele está de joelhos diante do homem, lavando-lhe os pés. 

7- Trata-se também de um gesto de hospitalidade. Os discípulos chegam com os pés empoeirados. Não esqueçamos que humildade e húmus (terra) têm a mesma raiz. Assim, o gesto é antes de tudo um sinal de hospitalidade. Pés empoeirados, inchados pelo caminhar em sendas irregulares, pedregosas. Por vezes é bom parar junto a curso de água e mergulhar os pés em seu frescor. Havia o costume de se trazer uma bacia de água para que o hóspede lavasse os pés e experimentasse bem estar. Nas famílias abastadas essa tarefa era realizada por um escravo, um serviço com conotação humilhante. Ninguém podia obrigar um escravo judeu a realizar esse gesto. 

8- Jesus se apresenta como aquele que recebe bem seus discípulos. Reconhece-os como hóspedes a serem acolhidos. Oferece-lhes um pouco de frescor e de descanso. Coloca o gesto sabendo que em breve haverá a traição de Judas. Necessário ir além do simples gesto de boa acolhida. Jesus se torna o servo. Realiza trabalhos de escravos. Quebra a ordem normal das coisas. O Senhor e Mestre lava os pés dos apóstolos. Toma a condição de escravo, sem ser escravo. O Mestre se faz escravo. Mais ainda: mostra seu respeito pelo homem. Coloca-se de joelhos diante do homem e o honra como se honra a um mestre. Assim, através de Jesus que vem do Pai e vai para o Pai se pode divisar o semblante de um Deus que acolhe, põe-se a serviço e se coloca de joelhos diante do homem para honrá-Io. Paulo aos Filipenses exprime tudo isso de maneira claríssima: "Ele, subsistindo na condição de Deus, não se apegou à sua igualdade com Deus. Mas esvaziou-se de si mesmo, assumindo a condição de escravo, tornando-se solidário com os seres humanos. E apresentando-se como simples homem, humilhou-se, feito obediente até à morte e morte numa cruz..." (FIZ, 6-8). 

9- Uma vez realizado o gesto, o texto de João fala de reações. Pedro protesta e depois aceita. Os que desejassem ter parte com Jesus tinham que aceitar essa "lavação". Alguma coisa havia acontecido naqueles momentos. Simbolicamente Jesus estava dando a sua vida, tendo passado pelo serviço. Depois ele retoma o manto da vida. Através do serviço, através do grande serviço do dom de sua vida, Jesus podia afirmar-se Mestre e Senhor. Jesus é, efetivamente Mestre e Senhor. Ele é o vencedor, o verdadeiro todo poderoso. Sua força não se revela num poder exterior de uma onipotência absoluta. Manifesta-se quando ele está de joelhos diante do homem. Sua onipotência se revela quando respeita o homem até o fim. Um Deus onipotente que se coloca a lavar os pés dos seus. Deus se exprime, se diz nesse serviço. 

10- Eucaristia, água, batismo, pão, serviço são realidades que se entrelaçam nessa véspera da paixão libertadora de Jesus. Tudo tem a marca do serviço. Não se trata de considerar todos os temas "doutrinalmente". Trata-se de a tudo iluminar com um Jesus que, de joelhos, lava os pés dos seus. Esse Jesus Servo continua atuando. À nossa volta muitas pessoas vivem esse espírito de serviço: a mãe que cuida do filho especial à vida toda, a mulher que adota uma senhora cancerosa e idosa, esses que se dedicam às coisas do Reino com um coração cheio de generosidade. Cristo continua atuando e agindo por meio daqueles que servem. Cabe aos discípulos de Jesus inventar gestos de serviço. A Igreja está definitivamente engajada na linha do serviço. Não pode deixar de usar o avental porque perderia sua razão de ser. Foi o seu Senhor que traçou esse caminho. René Aucourt afirma: “Em nossos dias prolonga-se o gesto de Jesus. O gesto de serviço, em nome de Cristo, será sempre a característica daqueles que têm consciência de serem acolhidos, respeitados, honrados, lavados e salvos da poeira do caminho". 

11. Nós, franciscanos, vivemos em fraternidades. Uns queremos servir aos outros e todos estamos à disposição do serviço pelo mundo novo de Jesus que se chama Reino. O tema do serviço está vinculado à fraternidade local e à fraternidade universal dos franciscanos. Os cargos e funções existem em vista do crescimento do laço fraterno para dentro e para fora. Há os irmãos que são escolhidos para, durante certo tempo, se dedicarem aos irmãos. Como conclusão desta reflexão sobre a mística do serviço queremos chamar atenção para alguns pontos práticos que exprimem o espírito do serviço: 

  • Carregar os fardos uns dos outros: diaconia fraterna, o irmão não é um peso a ser carregado, mas alguém a ser ajudado. 
  • Há o serviço do bom exemplo: os irmãos crescem quando alimentados com o bom exemplo dos irmãos; a fraternidade não se constrói com discursos, nem é fruto de uma apologia da fraternidade, mas se funda no exemplo, mesmo quando este seja exigente. 
  • A vida fraterna é resultado de um testemunho humilde e simples, depende da disponibilidade, é como um grão de trigo que morre, trata-se da heroicidade do cotidiano. 
  • Os que servem, dialogam, não impõem. Admitem mudar de opinião quando convencidos de que o outro está mais perto da verdade. No diálogo a pessoa tem a coragem de revelar-se, tem desejo de compreender e de fazer-se compreender. 
  • O irmão merece confiança e estima pelo seu valor de homem, de cristão, de franciscano: o irmão é um sacramento de Cristo. 
  • O serviço fraterno, ad intra e ad extra, se funda na consciência da recíproca dependência, da mútua necessidade e na superação da autossuficiência individualista: para tanto será fundamental haver trocas tecidas com confiança. As visitas, as promoções do Secretariado visam o amor que se tem pelo irmão concreto. 
  • A vida fraterna se realiza quando alguém deixa de ser indivíduo e passa a ser pessoa, isto é, quando entra em relação, na consciência do próprio valor e do valor do outro, no recíproco dar e receber, no cuidar e no confiar-se, na partilha e na gratidão.
Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM
Assistente Nacional da OFS pela OFM