Bioma: Mata Atlântica
Entrevistada: Maria Adelia Borstelmann de Oliveira

Conte-nos um pouco sobre sua vida, formação, trabalho, sua trajetória no campo de estudos e pesquisas.
Tive a sorte de nascer em uma família de classe média que elevava o conhecimento acima do dinheiro. Nasci e passei minha infância e juventude morando, com meus pais e irmãos, na casa de meus avós paternos. Hoje com três filhos lindos e oito netos maravilhosos, moro com meus pais, bem perto do trabalho e, sempre que posso, vou para o trabalho de bicicleta.
Fui positivamente influenciada por meu avô paterno, Valdemar de Oliveira, que tinha sido professor de ciências naturais e biologia em várias escolas e universidades; e por minha madrinha de batismo, Liana Marília Barroso Fernandes, melhor amiga de minha mãe no colégio, formada em Ciências Naturais e professora universitária. Naturalmente escolhi ser bióloga. Fiz a graduação no curso de Bacharelado em Ciências Biológicas da UFRPE, mestrado em Fisiologia pela UFPE, especialização em Conservação e Manejo de Primatas pela UNB, doutorado em Psicologia Experimental pela USP (com dois "sanduíches": um nos Estados Unidos para treinamento de técnicas genéticas para a determinação de parentesco e outro na Inglaterra para as análises de algumas dessas técnicas). 
Durante o mestrado passei no concurso para o IBDF (hoje IBAMA) e atuei por dois anos como agente de defesa ambiental. Passei também no concurso para professora na UFRPE, onde estou até hoje. Atualmente ministro aulas nos cursos de graduação ("ecofisiologia animal", "psicobiologia" e "etologia e bem-estar animal") e de pós-graduação ("fisiologia da conservação" e "redes sociais para o monitoramento reprodutivo de primatas") e oriento pesquisas com mamíferos aquáticos e terrestres (principalmente saguis, macacos e guaribas) nas áreas de ecofisiologia e comportamento animal, em diversos biomas brasileiros

Conte-nos sobre o Bioma Mata Atlântica, suas principais características.
Como revela seu nome, os ecossistemas (como manguezais, restingas, matas de vários tipos e até os brejos de altitude) desse bioma são influenciados pela umidade e outros fatores climáticos decorrentes de sua proximidade com o Oceano Atlântico. Toda formação florestal que fica próxima ou que recebe influência direta das correntes de ar que se dirigem do Oceano Atlântico para a costa brasileira (trazendo umidade, chuva, brisa, vento, calor) é considerada como pertencente ao bioma Mata Atlântica.
Os ecossistemas mais próximos do litoral e localizados nas desembocaduras (foz) dos rios são os manguezais. Os manguezais não são muito ricos (diversificados) em termos de flora (tipos de árvores e outras plantas) porque a salinidade da água flutua muito com a maré ao longo de um dia. As árvores tiveram que se adaptar para ficar com as raízes e grande parte do tronco dentro da água: que fica com muito sal durante as marés mais rasas ou baixas (mais ou menos a mesma da água do mar, ou seja, cerca de 30g de sal para cada litro de água) e fica muito diluída durante as marés cheias ou altas (mais ou menos o mesmo teor de sal da água doce dos rios, ou seja, menos de 3g de sal para cada litro de água). Essa mudança de água salgada para doce ocorre duas vezes todo santo dia. Os ambientes formados pelo emaranhado de raízes e troncos dos manguezais são considerados berçários porque oferecem alimento e abrigo para filhotes (alevinos) de muitas espécies de peixes do mar e do rio, e também de moluscos e crustáceos. Além dessa rica fauna aquática, as árvores dos manguezais abrigam uma fauna terrestre única, formada por uma diversidade de insetos, répteis, aves e  mamíferos adaptados ao dinamismo das marés.
Sobraram poucas áreas de restingas uma vez que muitas cidades e a maioria das capitais brasileiras são litorâneas. Cajus e mangabas nativos e os cocos trazidos pelos colonizadores lembram a outrora rica paisagem das restingas na atualidade.
As matas propriamente ditas abrigavam outrora uma diversidade impressionante de plantas e animais, a maioria endêmicos, e as formações vegetacionais variam da Floresta perenifólia densa ao campo aberto. A porção da Mata Atlântica que se localiza acima da foz do Rio São Francisco é denominada de Centro de Endemismo Pernambuco por apresentar espécies só encontradas ali, como o visgueiro (Parkia pendula) e o cuandu preto (Coendu speratus) descoberto em 2011.
Os brejos de altitude (como Brejo da Madre de Deus e a Serra dos Cavalos em Caruaru, para citar alguns em Pernambuco) são matas de exceção, porque apesar de estarem localizados no bioma Caatinga, ficam em altitudes elevadas e têm seu clima, vegetação e fauna influenciados pelas correntes de ar que sopram do Oceano Atlântico.

 O que seria das populações sem o Bioma Mata Atlântica e em que as populações dependem desse bioma? 
Particularmente o clima das cidades litorâneas (a maior parte das capitais brasileiras fica no litoral) depende quase totalmente do Oceano. O ciclo da água que garante a qualidade e a quantidade de água que consumimos é dependente da mata. Uma boa e saudável parte das frutas e tubérculos que consumimos e que tanto nos orgulhamos (como a pitanga, a jabuticaba, a macaxeira e o cará) são originárias da mata atlântica. Além disso as características da Mata Atlântica moldaram também nossa cultura. Músicas, danças, comidas típicas (caboclinhos, tapioca, entre outros) são reflexos da sociobiodiversidade da Mata Atlântica.

Qual impacto da ação antrópica no Bioma Mata Atlântica? 
Há mais de 500 anos atrás, a Floresta Atlântica cobria quase todo nosso litoral se estendendo, em alguns trechos, bem para oeste no território do Brasil. De todos os biomas do Brasil a Mata Atlântica é o mais ameaçado de desaparecer para sempre, processo que os cientistas chamam de extinção. A razão principal dessa ameaça é simples. Foi justamente onde ficava a mata atlântica que se instalaram as principais cidades do país. Fomos derrubando as matas, com tudo que tinha dentro, para nos instalarmos, dando um outro uso a terra. Hoje resta apenas pouco mais da vigésima parte da vegetação original, que recobria a costa brasileira do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul. Imagine quantas espécies de bichos e plantas desapareceram com essa
devastação. As árvores foram, sobretudo, usadas como lenha ou derrubadas para abrir espaço para diferentes lavouras que se implantaram ao longo da Mata Atlântica. Os bichos foram vítimas da caça e do desaparecimento de seus hábitats, de suas tocas, de seus ninhos naturais e de sua alimentação.

 Qual importância da Mata Atlântica na inter-relação com os demais biomas brasileiros? 
Cada bioma é uma unidade biológica, formado por vários ecossistemas que são dependentes um dos outros. Manguezais dependem das restingas e vice-versa, do mesmo modo que matas primárias ou secundárias dependem da restingas e dos manguezais, no fluxo genético de espécies e de matéria e energia. Do mesmo modo, os demais biomas (Floresta Amazônica, Cerrado, Pantanal, Caatinga, Pampas e Zona Costeira) por apresentarem diferentes localizações, solos e condições climáticas, são aparentemente diferente, mas mantém uma profícua troca de energia e matéria e um constante fluxo gênico.
Pela sua extensão e localização a Mata Atlântica faz limite (em outras palavras, se encontra) com todos os demais biomas brasileiros, intensificando os processo e serviços ambientais de manutenção do clima e qualidade dos recursos naturais.

 Há alguma ação simples (do cotidiano) das pessoas que pode contribuir para preservação da Mata Atlântica?
Muitas ações podem ajudar a preservação da Mata Atlântica. O uso racional dos recursos naturais, como a água é o melhor exemplo, mas a postura e ações políticas em defesa dos biomas é obrigação de todo cidadão planetário. Somos guardiões de um paraíso e temos responsabilidades sobre ele. Cuidar da criação, como prega a companha da fraternidade de 2017, passa pela envolvimento de cada um de nós na luta pela defesa da vida.

Qual a importância da sensibilização da sociedade e qual o papel da sociedade (organizada ou não) nas ações de conservação/preservação da Mata Atlântica?
Temos que reconhecer que as principais transformações do bioma Mata Atlântica foram perpetradas por nós. E podemos, se quisermos, promover o revigoramento e regeneração desse ambiente. O Jardim Botânico do Rio de Janeiro faz um trabalho excelente de envolver as comunidades que vivem no entorno dos fragmentos florestais para reconecta-los e melhorar o fluxo gênico de plantas e animais. Quem sabe não poderemos no futuro tomar um banho de mar à sombra das frondosas árvores (como o Jequitibá, que está extinto em Pernambuco) da Mata Atlântica, numa paisagem típica provavelmente encontrada pela tripulação das naus comandadas por Pedro Álvares Cabral quando chegou ao Brasil? Para isso o primeiro passo é a sensibilização dos atores, antes mesmo da disseminação do conhecimento nas etapas do que fazer para conservar este bioma.

A Juventude Franciscana tem incentivado formações e ações concretas para o cuidado e preservação do meio ambiente. E, nesse clima da preocupação e ações por uma Ecologia Integral, que mensagem você deixa para essa juventude?
Estamos todos interligados. Meio físico, biológico e social. As características bióticas e abióticas dos ambiente de qualquer bioma também estão interligadas e são interdependentes. Nas nossas ações diárias Ciências, Artes e Políticas não deviam andar separadas pois são as resultantes do arcabouço que recebemos quando aqui chegamos, nessa planetinha azul. É nossa missão cuidar e só com atitudes políticas, com beleza e com generosidade para com tudo e toda a criação, sobreviveremos e alcançaremos a verdadeira felicidade.

Equipe Entrevistas Biomas
Muhammed Araújo
Secretário Regional de Formação (PB/RN)

Maricelia Ribeiro
Secretária Nacional para a área Centro Oeste
Secretária Regional de Formação

Magno Almeida
Secretário Regional de DHJUPIC PE/AL

Bruno Fábio Santana
Gestor Ambiental

Revisão
Amanda Rocha
Secretária Regional de Formação (RS)

Colaboração
Adrielly Alves
Secretária Nacional para a área Norte

Equipe Nacional de Formação