ESPECIAL CAMPANHA DA FRATERNIDADE - CERRADO
Entrevistada:
Leninha Souza (Mestre em Desenvolvimento Social/ Coordenadora de articulação
política do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas)
Conte-nos um pouco sobre sua vida,
formação, trabalho, sua trajetória no campo da sociedade civil organizada
e/ou pastoral.
Sou bióloga com mestrado em desenvolvimento social, coordenadora de
articulação do CAA-NM, diretora secretaria da Cáritas brasileira e do Conselho
Arquidiocesano de Pastoral. Realizamos um trabalho relacionado a agroecologia e
a convivência com o semiárido. Estamos numa região de ecótono ou de transição
entre cerrado e caatinga. Atuamos ainda com a Rede Cerrado que congrega mais de
60 organizações que desenvolvem práticas e constroem conhecimentos associados a
luta e aos modos de vida dos povos e comunidades tradicionais como indígenas,
quilombolas, geraizeiros e outros.
Conte-nos sobre o Bioma Cerrado,
suas principais características.
Por não ter a pujança fisionômica
das grandes florestas tropicais, pelos seus solos arenosos e de baixa
fertilidade natural, árvores de pequena estatura, tortas e de cascas grossas,
este bioma ficou à margem da cobiça pelos grandes fazendeiros e empresários até
praticamente meados do século passado. Segundo Carlos Eduardo Mazzetto
Silva(2006), o Cerrado é uma das formações vegetais assentados sobre os solos
mais antigos do Brasil. Durante o Pleistoceno os cerrados já ocupavam
importantes extensões de terra no Brasil Central, atravessou períodos de clima
muito mais frio e seco que os atuais, passou pela última glaciação (que deu
início ao Holoceno há cerca de 12.000 anos atrás). Enquanto no mundo as preocupações se voltam sobre a necessidade urgente
de cuidar das águas, como um dos fatores fundamentais para atender a demanda
global por alimentos, no Brasil e no mundo pouco se fala sobre o Cerrado, a
maior savana tropical fora da África, cobrindo 22% do Brasil em sua área
contínua, ou 35% considerando suas vastas áreas de transição (ecótonos).
Sem entrar no mérito de sua importância biológica (com relação à fauna, é
o lar de praticamente metade das aves do Brasil, assim como metade dos répteis
do Brasil e mais de 200 espécies de mamíferos), ou de sua importância social
(fundamental para a sobrevivência de centenas de povos indígenas, milhares de
comunidades quilombolas e tradicionais que aí se estabeleceram, cujos sistemas
vitais dependem da riqueza ofertada pela natureza dos cerrados), é deste bioma,
do Cerrado, que brotam as milhares de nascentes que vão formar e alimentar os
rios das principais bacias hidrográficas brasileiras.
Para os povos tradicionais dos cerrados a terra é sagrada, mãe que gera,
alimenta, nutre e acolhe seus filhos e filhas. É a morada de todos os seres
existentes. É evidente que esta visão é antagônica à visão do agronegócio que
considera a terra como mercadoria e oportunidade de negócio e lucro. A água,
cuja escassez se aprofunda no semiárido brasileiro em decorrência das formas de
uso e ocupação dos ecossistemas, vem sendo dilapidada de forma crescente, agora
de forma mais alarmante ainda em função das alterações do equilíbrio climático.
O aumento da temperatura, muito percebida pelas famílias de agricultores e
agricultoras locais, com irregularidades das chuvas, cada vez mais intensa e
fora dos períodos normais da safra, estão comprometendo os cultivos pelos anos
de sucessivas secas prolongadas. As porções de cerrados que ficam
localizados no semiárido brasileiro está vivendo, neste momento, o 6º ano
seguido de seca.
É por isso que vemos com muita preocupação o projeto que está sendo
executado em áreas de cerrado e que foi instituído em 2015 por um Decreto
Presidencial denominado de Plano de Desenvolvimento Agrícola MATOPIBA.
Está sendo implantado em uma região considerada como a última fronteira
agrícola do Brasil, abrangendo os estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e
Bahia. Hoje, no Brasil, a terra e a água são os elementos que acirram as disputas
entre os povos e comunidades tradicionais do lugar e os grupos de poder
político e econômico nacional e internacional. O MATOPIBA representa ameaça
concreta na medida em que o desmatamento e as queimadas se acelerem ainda mais
para dar lugar às monoculturas, destruindo a biodiversidade comprometendo as
fontes e nascentes de águas da região.
De acordo com o relatório de análise geo-espacial da dinâmica das
culturas anuais no Bioma Cerrado, o desmatamento cresceu 61,6% entre 2000 e
2014. De todo o território destinado a MATOPIBA 91% dela está no cerrado,
7,2% na Amazônia e 1,64% na Mata Atlântica. Este plano intensificará
drasticamente a degradação, agravando ainda mais os problemas hídricos do país.
Qual importância do Cerrado
na inter-relação com os demais biomas brasileiros?
Conhecido como “berço das águas”, o Cerrado possui os maiores aquíferos
do planeta. Nele estão as nascentes de três bacias hidrográficas da América do
Sul (Amazônia/ Araguaia–Tocantins, São Francisco e Prata), que abastecem seis
das oitos maiores bacias hidrográficas do país, ou seja, o cerrado é doador de
águas para o bioma amazônico e da caatinga.
Há alguma ação simples (do
cotidiano) das pessoas que pode contribuir para preservação do Cerrado?
Todo o cuidado com uso e reuso da água, a valorização da biodiversidade
(frutos ricos e proteínas e outras componentes nutricionais, como vitamina E do
Pequi), adquirindo produtos oriundos do extrativismo e da sociobiodiversidade.
Ajudar a proteger os povos tradicionais em suas lutas pelos territórios e pela
vida.
Qual a importância da
sensibilização da sociedade e qual o papel da sociedade (organizada ou não) nas
ações de conservação/preservação do Cerrado?
Articulação e ação em rede de proteção dos povos e do cerrado apoiando e
participando de campanhas – como a campanha atual liderada pela CPT,
Rede Cerrado e outros – Sem Cerrado – Sem Água.
A Juventude Franciscana tem
incentivado formações e ações concretas para o cuidado e preservação do meio
ambiente. E, nesse clima da Igreja Católica buscar vivenciar esse momento novo,
em torno da preocupação e ações por uma Ecologia Integral, que mensagem você
deixa para essa juventude?
Como Francisco de Assis cuidador e guardião de
todas as formas de vida, a Juventude Franciscana se sinta encorajada e
fortalecida para testemunhar cotidianamente este amor pela humanidade que
carece de gestos de carinho e pela Mãe Terra com todos os seres viventes. Que a
água sagrada criada por Deus não seja tratada como mercadoria, mas como direito
de todas e todos.
Equipe Entrevistas Biomas
Muhammed Araújo
Secretário Regional de Formação (PB/RN)
Maricelia Ribeiro
Secretária Nacional para a área Centro Oeste
Secretária Regional de Formação
Magno Almeida
Secretário Regional de DHJUPIC PE/AL
Bruno Fábio Santana
Gestor Ambiental
Revisão
Amanda Rocha
Secretária Regional de Formação (RS)
Colaboração
Adrielly Alves
Secretária Nacional para a área Norte
Equipe Nacional de Formação
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