A MÍSTICA DA EPIFANIA DO SENHOR NA ATUALIDADE
Desde
muito jovem, me senti marcado por essa festa da Epifania que as Igrejas antigas
celebram hoje. Provavelmente, foi essa festa que, no início de minha vida
monástica, me revelou que Deus me chamava para ser testemunha da abertura
universal de Deus a todas as culturas e religiões.
A
história dos magos é uma parábola, midrash da tradição cristã, escrito a partir
dos textos judaicos, mas ele nos interpela a pensar que estrelas Deus tem nos
enviado até agora em nossas vidas.
Conforme
o evangelho de Mateus, os magos são os primeiros a adorar Jesus. O evangelho
não diz quantos eram. A tradição os coloca como três. Pinta um deles como negro
e uma tradição oriental estampava um deles como uma jovem mulher. Tudo isso é
interessante para simbolizar a universalidade desse encontro macro-ecumênico:
Jesus menino e os magos.
Jesus
se abriu aos magos que teriam vindo do Oriente como sacerdotes de religiões que
adoravam a natureza. Eles representavam o que hoje em dia seriam os babalorixás,
ou pais de santo.
Nesses
dias, a CPT divulgou um artigo escrito pelo saudoso frei Henri des Rosiers, que
eu conheci bem e faleceu há poucos meses. Ele conta a fuga de um menino de 13
anos de uma fazenda de escravos no interior do Pará. Esse menino foge da
fazenda e dos pistoleiros por dentro da mata, escapando de onças e cobras,
passando fome e não podendo dormir à noite em meio da mata, buscando liberdade
e segue no céu o cruzeiro do sul. Para onde o Cruzeiro do Sul apontava ele
sabia que encontraria uma estrada. E de fato, conseguiu sair da mata e chegou a
uma cidade onde se apresentou ao pessoal de Igreja que o acolheu, o levou ao
Ministério do Trabalho (na época em que Lula era presidente e o Ministério era
contra o trabalho escravo) e os fiscais foram com o menino e conseguiram
encontrar a fazenda e libertar mais de 50 trabalhadores rurais. (Em Goiás na
época, nós do mosteiro, escondemos durante semanas o Sebastião, o menino de 13
anos que foi o mago para aqueles trabalhadores libertados da escravidão).
No caso do evangelho (Mt 2, 1 - 12),
comumente os padres e pastores fazem uma leitura inclusiva, mas ainda de
caráter etnocêntrica e até dogmática: Os magos vêm de longe para adorar a
Jesus, portanto para ser cristãos. Dizem que o Cristianismo é uma religião
universal, aberta a todos e acolhe a todos mas, em uma linha inclusiva. Isso
significa que todos são chamados a ser cristãos. ( A casa está aberta, mas para
vocês virem aqui). Uma leitura mais profunda do texto poético, parabólico de
Mateus pode nos levar a uma interpretação mais aberta e pluralista. A acolhida
de Jesus é abertura ao outro e no concreto Belém e o presépio se tornam lugares
que simbolizam um encontro de culturas e de religiões e não apenas o outro que
entra na nossa.
Nos anos 60, um teólogo escreveu um livro:
Igreja, túmulo de Deus. A Igreja que deveria manifestar Jesus algumas vezes o
oculta e impede as pessoas de se aproximarem dele. A Igreja faz tantas regras e
cria tantos mandamentos em nome de Deus que as pessoas no lugar de virem se
afastam. Como de novo manifestar Jesus como testemunha de um Deus que é Amor e
Inclusão?
Cada
um de nós vive uma busca interior. Uns com mais intensidade e coragem. Outros
deixam sua busca meio adormecida e se acomodam no ponto já encontrado e se deixam levar pela
banalidade do dia a dia... sem tantas questões e sem ousar novas interrogações.
Alguns nem percebem mais que têm essa busca interior e ela é quem dá sentido à
nossa vida. As folias e reisados lembram a todos que temos de retomar o tempo
todo nossa peregrinação....
Nesse
caminho, as instituições religiosas funcionam como pousadas e estalagens. Às
vezes, cômodas ou às vezes muito incômodas. Essas pousadas podem ser úteis para
nos confirmar a estrada que São João da Cruz chama de "caminho na noite
escura da fé". Nas pousadas ou hotéis que são as instituições religiosas,
muita gente se acomoda, se torna "importante" e desiste de caminhar.
Manter-se na estrada implica aceitar ser pequenino, desprotegido e quase sempre
marginal... Nem todo mundo topa isso. Conforme os evangelhos, a Igreja não
deveria ser a pousada e sim o grupo que caminha juntos. Por isso, é assembleia
(Igreja) e não templo ou em si religião. O templo e os elementos religiosos
podem ser expressão, mas serão sempre pousadas provisórias do caminho juntos. O
caminho é guiado pela estrela e não pela pousada.
Ver a
presença divina em Jesus, menino recém-nascido e pobre na periferia do mundo é
reconhecer essa presença em todo ser humano, principalmente no mais
empobrecido. Ao oferecer a Jesus o ouro,
os magos como que profetizam o reconhecimento da dignidade e do valor
inestimável de todo ser humano ali representado naquele menino de Belém. Toda
criança merece que se ponham a seus pés
toda a riqueza do mundo. O incenso
significa o desejo de que a vida dessa criança desabroche e se eleve até Deus.
Todo ser humano é chamado a ser divino, a se divinizar. A mirra é medicamento
para aliviar os sofrimentos e significa que todo ser humano é frágil e merece
um cuidado atencioso. O menino de Belém é símbolo de que Deus introduz no mundo
uma nova magia: o que o papa Francisco tem chamado de misericórdia. É esse
caminho que devemos retomar e reacender como luz da estrela nas estradas de
nossa vida.
Ir. Marcelo Barros,
Monge.
0 Comentários