1. Introdução:

No início da sua missão, Jesus foi tentado no deserto (Lc 4,1-12). Naquela ocasião, Lucas fez a seguinte observação: “Tendo acabado toda a tentação, o diabo deixou Jesus até o momento oportuno” (Lc 4, 13). Este momento oportuno agora chegou. Chegou a hora da tentação suprema, “a hora do poder das trevas” (Lc 22,53). Começa a última etapa do êxodo de Jesus. Satanás já tinha conseguido desviar Judas (Lc 22,3). Queria desviar Tiago e João na hora da vingança contra os samaritanos, no início da viagem para Jerusalém (Lc 9,55). Quis entrar em Pedro, mas a oração de Jesus foi mais forte (Lc 22,31). Agora ele vai fazer a tentativa suprema para desviar Jesus do caminho do Pai. Mas não vai conseguir.

Durante a leitura do texto que descreve a agonia de Jesus no Horto, convém lembrar a cena da Transfiguração (Lc 9,28-36). No Evangelho de Lucas estes dois episódios têm uma semelhança muito grande, o que, sem dúvida, encerra uma mensa­gem da parte de Lucas para nós, seus leitores e suas leitoras.

2. Comentando:

a) Lucas 22,39-40: Tentação e angústia

“Como de costume, Jesus sai para o Monte das Oliveiras”. É a última noite da sua vida aqui na terra! Ele costumava ir naquela chácara para rezar. Jesus sabe que estão à sua procura para matá-lo. Sente a hora da tentação chegando. Bastaria subir o Monte das Oliveiras alcançar o deserto e ele estava livre. Ninguém o prenderia! O que fazer? Era a tentação de escapar do cálice. Ele ora e pede aos amigos, para que orem, “a fim de não entrar em tentação!” Jesus está sentindo a angústia provocada pela tentação. Não quer que seus amigos sofram esta mesma tentação.

b) Lucas 22,41-42: A oração da total entrega

Jesus ora de joelhos. Ele deve estar muito abalado e angustiado, pois naquele tempo o costume era orar em pé. Lucas traz as palavras da oração: “Pai, se queres, afasta de mim este cálice. Contudo não a minha mas a tua vontade seja feita." É a oração da total entrega. Jesus não volta atrás, não quer escapar. Quer é continuar no caminho de acolher os excluídos, de denunciar o fechamento da religião oficial, de insistir nas exigências da fraternidade, mesmo que os poderosos o persigam e matem. Ele assume ser o Messias-Servo.

c) Lucas 22,43-44: O anjo de Deus ajuda a beber o cálice

Aparece um anjo do céu. O anjo do céu é o próprio Deus se comunicando com o ser humano. E pela terceira vez no Evangelho de Lucas que Deus se manifesta diretamente a Jesus. A primeira vez foi no Batismo (Lc 3,21-22). A segunda, na transfiguração (Lc 9,35). E agora, a terceira vez, aqui no Horto. O anjo não vem para consolar. Ele vem para ajudá-lo a continuar no caminho do Pai até o fim, a beber o cálice até o fundo. Diz a Carta aos Hebreus: “Nos dias da sua vida terrestre, Jesus apresentou pedidos e súplicas, com veemente clamor e lágrimas, àquele que o podia salvar da morte” (Hb 5,7). De fato, depois que apareceu o anjo, Lucas diz que, “cheio de angústia, Jesus ora com mais insistência ainda” e começa a suar sangue. Suor de sangue é sinal de que a angústia que o envolve é muito grande. Jesus é jovem. Tem apenas 33 anos. E acusado e perseguido por algo que nunca fez nem quis, e sabe que vão matá-lo. “E pela oração que ele se reencontra consigo, com a missão e com o Pai. A paz voltou. Foi atendido por causa da sua total entrega!” (Hb 5,7).

d) Lucas 22,45-46: Resistir à tentação

Jesus se levanta. Vai ao encontro dos discípulos. Eles estão dormindo de tristeza. Novamente, lhes dá a mesma recomendação: “Levantem e orem, para que não entrem em tentação!” No Pai-Nosso, Jesus já tinha mandado fazer o mesmo pedido: “Não nos deixeis cair em tentação!” (Lc 11,4). A tentação faz parte da vida. Constantemente, Jesus era puxado para seguir por caminhos contrários ao caminho do Pai. Mas ele resiste.

3. Alargando:

A tentação de assumir o papel do Messias glorioso acompanhou Jesus do começo ao fim. A pressão vinha de todos os lados. Pessoas, fatos, situações, o próprio demônio, todos tentavam levá-lo por outros caminhos. Mas nunca ninguém conseguiu desviá-lo do caminho do Pai.

*Pedro tentou afastá-lo do caminho da Cruz, mas recebeu uma resposta dura: “Vai embora, Satanás!” (Mc 8,33).

*Seus pais tiveram que ouvir: “Então não sabiam que devo estar na casa do meu Pai?” (Lc 2,49).

*Aos parentes ele disse: “Quem é minha mãe? Quem são meus irmãos?” (Mc 3,33).

*Aos apóstolos que queriam levá-lo de volta, ele disse: “Vamos para outros lugares! Pois foi para isto que eu vim!” (Mc 1,38).

*João Batista foi convidado a conferir as profecias com a realidade dos fatos (Mt 11,4-6 e Is 29,18-19; 35,5-6; 61,1).

*Aos fariseus avisou: “Vão dizer àquela raposa que vou continuar trabalhando aqui hoje e amanhã. Só vou terminar é depois de amanhã!” (Lc 13,32).

*O povo queria forçar Jesus a ser o Messias-Rei (Jo 6, 15). Ao percebê-lo, Jesus simplesmente foi embora e se refugiou na montanha (Jo 6,15).

*Ao demônio Jesus reagiu com força, condenando as propostas com palavras da Escritura (Mt 4,4.7. 10).

*No Horto, o sofrimento levou Jesus a pedir: “Pai, afasta de mim este cálice!” Mas ele logo acrescentou: “Não o que eu quero, mas o que tu queres” (Mc 14,36). E na hora da prisão, hora das trevas (Lc 22,53), apareceu pela última vez a tentação de seguir pelo caminho do Messias Guerreiro. Jesus reagiu: “Guarde a espada no seu lugar!” (Mt 26,52).

Orientando-se pela Palavra de Deus, Jesus recusou todas estas propostas. Inserido no meio dos pobres e excluídos e unido ao Pai pela oração, fiel a ambos, ele resistia e seguia pelo caminho do Servo de Javé, o caminho do serviço ao povo (Mt 20,28).


Extraído do livro "O Avesso é o lado certo", de Carlos Mesters e Mercedes Lopes.

Fonte: www.cebi.org.br