O trabalho é uma das características responsáveis pela distinção entre ser humano e animal por se tratar de uma consequência da capacidade exclusivamente humana de consciência e é por meio do trabalho que o ser humano se constrói e sobrevive. Tendo a sociedade capitalista se configurado em uma organização cuja forma de trabalho é o emprego e percebendo que este se encontra em processo de eliminação progressiva pode-se dizer que os meios para a produção da existência de grande parte da humanidade se encontram ameaçados.

Esta grande parcela da população humana corresponde à classe trabalhadora que neste modelo de sociedade tem na venda de sua própria força de trabalho, na forma de emprego o modo de produção e reprodução de existência de si próprio e de sua família. E a ameaça à existência humana pela supressão dos postos de trabalho pode ser entendida de duas formas: do ponto de vista fisiológico, uma vez que é pelo trabalho que o ser humano retira da natureza aquilo que é necessário para suas necessidades básicas, e também do ponto de vista histórico, já que o homem edifica sua própria história também por meio do trabalho.
Partindo do livro sagrado, a Bíblia, na obra da criação Deus entrega ao ser humano toda a terra e o que nela se encontra para que sirva de alimento.

Então Deus disse: Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Que ele reine sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos e sobre toda a terra, e sobre todos os répteis que se arrastam sobre a terra (Gn 1, 26).

Reinar sobre a terra significa trabalhar nela, colher, cuidar... Meu Pai continua trabalhando até agora e eu também trabalho (Jo 5,17). E Pela teoria evolucionista se pode sustentar a tese de que ao adquirir a postura ereta, e com as mãos livres o homem cada vez mais se desenvolveu ampliando sua destreza e habilidades, essas capacidades só foi possível pela ação orientada pelo pensamento, ou seja: o trabalho.

Não há nenhuma outra modalidade de existência possível para o trabalhador que não o trabalho: isto não é uma tautologia mas, sim, um julgamento moral e social ao mesmo tempo, partilhado por todos os bem-pensantes e que aprisiona o operário no papel de estar debruçado para sempre sobre as tarefas materiais (CASTEL, 1998, p. 440)

Na sociedade escravista, embora o escravo trabalhasse forçadamente, ele recebia diretamente de volta, parte do que produzia para mantê-lo vivo e apto a trabalhar mais; deste modo, o escravo trabalhava para si e para seu explorador. No feudalismo os servos laboravam em toda uma extensão de terras, as quais eram de forma díspar divididas entre senhores feudais, suseranos, vassalos e servos; em outras palavras, os servos trabalhavam para si e para todas as figuras que compunham o sistema feudal e em troca podiam também diretamente consumir uma parte de sua produção, mantendo assim sua subsistência.

Assim como no escravismo e no feudalismo ou em qualquer outro modo de produção, o trabalho é necessário para manter o sustento da sociedade e a espécie humana viva. E em todo sistema de propriedade privada, existem proprietários e não proprietários. No capitalismo não é diferente, é por meio do trabalho delineado como emprego que a sociedade capitalista se organiza e constitui sua bipolaridade: classe burguesa e classe proletária.

No entanto, na sociedade capitalista, o trabalhador, o não proprietário dos meios de produção, já não recebe aquilo que é diretamente necessário para sua subsistência, ele se coloca na condição de empregado vendendo sua força de trabalho e recebendo sua parcela mínima da produção através da “... representação universal e autônoma da riqueza...” (ANTUNES; BENOIT, 2009, p. 39), o dinheiro. E só então ele irá comprar os produtos que lhe sejam diretamente necessários.

Essa dependência do dinheiro tem se tornado cada vez mais viciosa pela redução dos ciclos de consumo: a moda que dita a mutação do padrão de comportamentos e beleza em curtos momentos sem levar em conta a transformação “natural” da cultura; a superalimentação que induz o consumidor ao mau hábito alimentar e ao gasto com marcas específicas de produtos e a propaganda persuasiva que influencia a população a comprar produtos desnecessários.

Concomitante a essa necessidade de dinheiro, se percebe a eliminação progressiva dos postos de trabalho vista mais nitidamente a partir da década de 1970 em que se desencadeou uma crise permanente do capitalismo de forma que a produção estagnada rebaixa o trabalhador a um exército de reserva.
As bipolaridades sociais de cada época têm o trabalho como elemento comum e é a apropriação do trabalho não pago que define os antagonismos das classes. A Capacidade do ser humano trabalhar para além das suas necessidades faz com que uns trabalhem e outros usufruam do trabalho excedente. E cada vez que se distanciar esta margem entre trabalhadores e donos dos meios de produção a existência humana cada vez mais será fragilizada.

Vós, ricos, chorais e gemei por causa das desgraças que sobre vós virão. Vossas riquezas apodreceram e vossas roupas foram comidas pela traça. Vosso ouro e vossa prata enferrujaram-se e a sua ferrugem dará testemunho contra vós e devorará vossas carnes como fogo. Entesourastes nos últimos dias! Eis que o salário, que defraudastes aos trabalhadores que ceifavam os vossos campos, clama, e seus gritos de ceifadores chegaram aos ouvidos do Senhor dos exércitos. Tendes vivido em delícias e em dissoluções sobre a terra, e saciastes os vossos corações para o dia da matança! Condenastes e matastes o justo, e ele não vos resistiu. (Tg 5, 1-6)

É chegada a hora de redistribuir a riqueza historicamente produzida e acumulada. A produção social, só se dá por meio do trabalho e dever ser revertida pra a sociedade e não ficar estagnada nas mãos de poucos.
Diante desta reflexão sobre o trabalho, é impossível não pensar no sujeito deste processo: o trabalhador, dia 1º de maio não é dia do trabalho, e sim, dia do trabalhador, ele é o construtor da história por meio do seu suor.
Apropriar-se do trabalho de outrem ou negar-lhe o trabalho é rebaixar este outrem à condição animal.

Autora: Gleice Francisca, subsecretária regional de formação SU1-Paraná