Francisco, irmão menor
* por Irmã Ana Maria H. da Silva
(franciscana alcantarina)
Foi na contemplação, na oração e na escuta atenta e silenciosa de nosso Deus, que São Francisco fez a experiência da minoridade de Deus na humanidade. Deus em sua grandeza infinita se fez pequeno, pobre, se esvaziou ao assumir a condição humana em Jesus de Nazaré. “Ele subsistindo na condição de Deus, não pretendeu reter para si o ser igual a Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo, tornando-se solidário com os homens. E apresentando-se como simples homem, humilhou-se, feito obediente até a morte e morte de cruz” (Fl 2,6-8).
Tendo como maior exemplo Jesus Cristo, o Divino Mestre, Francisco não só o seguiu, mais o imitou em tudo, em sua pobreza, humildade, serviço e caridade. Não só ele, mas todos os que dele se aproximaram, tornando-se menores diante dos irmãos, vivenciando a mensagem de amor de Jesus; ”quem quiser ser o primeiro, seja o último e seja aquele que serve a todos” (Mc 9,35). Ser o último, aquele que serve, ser o menor, assim viveu Francisco de Assis sem jamais sobrepujar os irmãos, mas sendo igual em tudo. Para ele a minoridade era a maior importância dentro da fraternidade, chamando os seus irmãos de menores. Por isso Francisco recebeu do Papa Honório III a Regra e a Vida dos Frades Menores.
Para Francisco ser menor passava pelo desapego do mundo, pela compaixão e amor para com os pobres e humildes, pelo serviço generoso e gratuito, pela vivência da fraternidade. Francisco não teve nenhuma pretensão, a não ser a de se doar. Desejou profundamente estar junto do outro. Ser menor, ser pequeno para entender a grandeza do outro, jamais atropelando a sua dignidade. A palavra minorismo, no latim “minor” significa: pequeno, despojamento, simplicidade, humildade, serviço. O que Francisco mais queria era assemelhar-se em tudo aos pobres. Deseja ardentemente ser um deles, não suportando que alguém fosse mais pobre do que ele.
“Certa vez, chegou ao lugar onde São Francisco esta um pobrezinho doente. Compadecido por seu duplo sofrimento, a miséria e a dor, Francisco começou a conversar com um de seus companheiros sobre a pobreza. Mas disse-lhe o companheiro: ‘Irmão é verdade que esse aí é pobre, mas na província inteira não deve haver outro mais rico em desejo’. São Francisco repreende-o na hora e, quando confessou sua culpa, disse-lhe: ’Anda depressa, tira a tua túnica, ajoelha-te aos pés do pobre e proclamas que és culpado! Não peça apenas o perdão, roga também que rezes por ti!’ O irmão obedeceu, fez o que tinha sido mandado e voltou. Disse-lhe São Francisco:”Quando vês um pobre, meu irmão, tens à frente um espelho do Senhor e sua pobre mãe” (2 Cel,85).
Francisco no encontro com o leproso, abandonado e excluído da sociedade e do sistema do seu tempo, viu a imagem mais radical do pobre e na lepra o sentido de tudo que ataca e corrompe o corpo e alma. Francisco levou suas mãos estendidas ao irmão leproso, que tanta repulsa outrora lhe causara, o abraça e o beija. Sente sua alma invadida de tão grande alegria, algo tão forte que extravasava seu ser. Ele descobriu no leproso, ter beijado o próprio Cristo. Dizia: “Foi o próprio Senhor que me conduziu em meio aos leprosos e esse encontro transformou a minha vida” (cf. Test 1-6). Francisco encontrou o fundamento da minoridade no Deus-Homem, no Cristo Crucificado de São Damião, passado através do leproso. O leproso se tornou para Francisco, o lugar onde o Senhor o faz se tornar um menor entre os menores. No centro da experiência de Francisco de Assis estava Jesus, o Cristo pobre, sem propriedade, que nasceu nu numa manjedoura e morreu nu numa cruz, e nesta perspectiva Francisco olhava o mundo, a humanidade e Deus.
Foi da compaixão pelo Crucificado que Francisco foi transformado. Foi à experiência que teve do humilde “amor crucificado”, que o motivou e o levou a uma relação nova, profunda e intensa com o mundo, as pessoas, a natureza, o cosmo, tornando-se assim, o irmão universal do Sol, da mãe Terra, da Lua e de toda a criação. Do alto do monte Alverne ele rezou: “Que eu sinta no meu coração aquele excessivo amor do qual tu, Filho de Deus, estavas inflamado para voluntariamente suportar tal paixão por nós pecadores” (CCE 3,38). Foi esse amor abrasado e excessivo que impulsionou Francisco ao abraço ao leproso e mudou para sempre sua relação com as outras pessoas. O ser menor em São Francisco não tem origem na subordinação, na renúncia ou no temor, mas na atração da glória e beleza de Deus manifestada em Jesus de Nazaré. A minoridade é buscar força de Deus e ser instrumento da bondade divina. “Todas coisas pequeninas da vida, quando postas em prática, concretizam o Minorismo. Mas também fazer o gesto que outra pessoa precisa e que ninguém se lembra de fazer. Fazê-lo com delicadeza, de tal forma que a gente se complete com o outro, para que ele também se sinta bem de Deus” (Dom Paulo Evaristo Arns)
Da profunda contemplação da pobreza e humildade de Jesus na encarnação (presépio), na cruz e na Eucaristia que Francisco percebeu a minoridade de Deus. E encontrou na Palavra do Senhor um caminho de minoridade. Achou ligação entre o Lava-pés e o ser irmão menor, numa explícita referência a Jesus Cristo, na Quinta-feira Santa. “Todos, indistintamente, se chamem irmãos menores e lavem os pés uns dos outros” (Rnb 6,3). Este texto da escritura Francisco pediu para que fosse lido quando estava estendido nu, sobre a terra e se preparava para encontrar a irmã morte. Também percebeu no texto do Lava-pés (Jo 13,1-17), a ligação entre o lava-pés e o servir e como os frades devem servir uns aos outros. Diz o Senhor: ”Eu não vim para ser servido, mas para servir” (Mt 20,28). Por isso, Francisco exortou seus confrades dizendo: “Os que estão constituídos sobre os outros, gloriem-se tanto dessa superioridade como se estivessem encarregados do ofício de lavar os pés dos irmãos” (Adm 4,1-3). Assim, ser menor, ser pequeno, disposto a servir os outros, lavando-lhes os pés, acolhendo os anseios, enxugando as lágrimas com amor e misericórdia, pois a “minoridade nos faz solidários com os últimos da sociedade” (Rnb,9). E à luz do Evangelho: “O maior seja como menor, e quem manda como quem serve”(Lc 22,26). Os irmãos no dizer de São Francisco, “devem estar satisfeitos quando estão no meio de gente comum e desprezada, de pobres e fracos, enfermos e leprosos e mendigos de rua” (Rnb 9,2).
A exemplo de São Francisco, empenhemos-nos para contemplar o mistério da nossa redenção assiduamente, procurando a cada dia reencontrar as autênticas raízes da nossa vida e do nosso compromisso com o Reino, com a Igreja e com a sociedade. Francisco e seus companheiros agiram a partir da experiência dos marginalizados e da ótica do Evangelho. Com certeza em nossa sociedade existem muitos leprosos, principalmente em nosso continente Latino Americano e Caribenho, em nosso país, na pessoa do desempregado, do menor abandonado, do analfabeto, oprimido, marginalizado, desabrigado, em fim dos menores do nosso tempo.
O Papa João Paulo II, de saudosa memória, em Assis fez a seguinte oração e invocação a São Francisco: “Tu que tanto aproximaste Cristo da tua época, ajuda-nos a aproximar Cristo da nossa época, dos nossos tempos difíceis e críticos. Ajuda-nos, São Francisco de Assis, ajuda-nos a aproximar Cristo da Igreja e do mundo de hoje. Tu que trouxeste no teu coração os altos e baixos dos teus contemporâneos, ajuda-nos, com o coração vizinho do Redentor, a abraçar as alternativas dos homens de nossa época. Os difíceis problemas sociais, econômicos e políticos, os problemas da cultura e da civilização contemporânea, todos os sofrimentos do homem de hoje, as suas dúvidas, as suas negações, as suas debandadas, as suas tensões, os seus complexos e suas inquietações... Ajuda-nos a traduzir tudo isso em simples e frutuosa linguagem do Evangelho. Ajuda-nos a reduzir tudo a categorias evangélicas, de maneira que possa ser Cristo “caminho, verdade e vida” para o homem, nosso contemporâneo” (Assis, 05/11/78).
A pobreza, o minorismo e a itinerância apontam para a construção de uma nova irmandade, do Reinado de Deus, pautada na partilha, na justiça, no serviço-doação, na solidariedade, na fraternidade e no amor. Jesus, nosso Mestre e Senhor, deu-nos o exemplo ao se “levantar da mesa e se despir” (Jo 13,4), simbolizando nesta atitude o despojar de todos os sinais de privilégio e de poder. Somos convidados também a despojar de tudo que indique poder e privilégios, para apresentarmos ao mundo o rosto do serviço fraterno, compatível com a nossa vocação de “ser menor”, rosto que se coloca a serviço dos outros, dos pobres e últimos e de lavarmos os pés dos leprosos de hoje. Pois, a nossa razão de ser, a nossa vocação, na Igreja e no mundo é seguir Jesus Cristo, vivendo aquele “excessivo amor”, que inflamou, animou e encantou São Francisco, empenhando-nos sempre na construção de comunidades e fraternidades evangelizadoras.
Que o Seráfico Pai São Francisco, nos ajude a ver Jesus Cristo, a forma “minorum”, nossa forma de vida: Caminho, Verdade e Vida.
Fonte: http://www.franciscanasalcantarinas.org.br/artigos/Artigos%20postados/artigos16.htm em 14/01/15 às 14:32
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