Na Formação, Cristo nos “ajuda a ver”
Na caminhada cristã, Formação é imitar a forma de agir, pensar, falar, ser de Jesus Cristo. Muito mais do que pôr em uma forma ou fazer reduzir para caber em alguma limitação, a Formação liberta. Liberta porque nos ensina caminhos, nos fornece ferramentas para conseguir enxergar na Criação a beleza do Criador. Para conseguir, como Francisco, louvar a Deus pelas belezas e sutilezas da existência, que nos abraçam e enamoram, mas que se tornam visíveis para nós apenas quando aprendemos a ver. Escreveu Galeano que um garoto, por não conhece o mar, pediu ao pai que possibilitasse esse encontro. O pai, depois de viajar com o menino por longas estradas, chegou à frente da imensidão azul que fez emudecer seu filho. Quando conseguiu falar, a duras penas, o garoto pediu ao pai: “Me ajuda a olhar!”.
A Formação é a ajuda, é a mão do Pai-Mãe que se estende à nossa pequenez para possibilitar enxergar as tantas imensidões que, gratuita e organicamente, nos contornam. É necessário um mergulhar no sentir da presença viva do Sagrado nas criaturas para entender, por exemplo, a mística belíssima e profunda por trás do título de “padroeiro da Ecologia”, destinado a Francisco de Assis, que, para além de amigo das plantas e animais, enxergou a Criação como espelho do Criador.
Apenas por meio da Formação é possível a contemplação plena. E a Formação que aqui mencionamos também não pode ser confundida puramente com estudo. Há muitos que entendem que estudar sobre Cristo é conhecê-lo. Sem dúvida é uma ferramenta importante. Mas, sem medo, podemos afirmar que não é nada (!) sem a vivência em fraternidade, a observância da realidade e a meditação silenciosa.
É preciso saborear o conteúdo, digerir cada palavra, se deixar
absorver pelo mistério do Deus vivo que escolheu se fazer alimento, se fazer
presença. Não há livro ou escrito no mundo que consiga traduzir o verdadeiro
sentir da Eucaristia ou da contemplação da Criação. É Deus que pulsa, que se
movimenta, que fala. E que nunca vai ser suficientemente entendido apenas em
frases escritas.
Por outro lado, vivemos num tempo de pressa. Pressa de acumular, pressa do sucesso, pressa da perfeição. Imersos em tantas pressas, cultivamos inclusive a pressa do sentir, do pertencer e compreender. Essas tantas rapidezes atropelam a Formação que deve se fazer com calma, confiança e caridade. Amparada na mística trinitária da Trindade, essas três ações devem ser aproveitadas e compreendidas como pressuposto da existência – que, como tal, não queremos que tão logo acabe.
A doçura do caminho é se deixar
levar e surpreender pelo extraordinário que se apresenta quando o estudo, a
contemplação, a meditação e a vivência em fraternidade se encontram para dar
nome à Formação. São eixos complementares, que, no mistério de Deus,
simplesmente são inúteis se vividos isoladamente. Não basta conhecer todos os
livros, se não houver a capacidade de silenciar para acolher a dor do irmão.
Não basta decorar todas as orações, se não for capaz de ouvir a voz da Divina
Ruah soprar no coração. Não basta meditar as mais lindas palavras, se não
houver a busca pelo conhecimento para a humilde compreensão delas. E não basta
a mais imersa vida em fraternidade, se não se cultivar nas práticas individuais
o contato próximo, íntimo e relacional com o Sagrado.
Novamente no mistério, saber dessa complementariedade não nos impulsiona a mais uma das tantas pressas, mas à lentidão do processo. Que maravilhoso se descobrir em tantos eixos e se deixar aprofundar para ser imagem e semelhança (cf. Gn 1, 26) de um Criador tão bondoso e amável que nos possibilita o autoconhecer através do conhecimento do outro, do mundo.
Louvado
sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas! (Cnt 3) A Deus não
louvamos apartado de tudo aquilo que criou, mas com a imensidão que nos rodeia
e nos foi dada de presente por tamanho amor. Essa complementariedade, a
complexidade da existência, nos atravessa enquanto franciscanas e franciscanos
de forma ainda mais visceral. Mas leve. Leve porque é simplesmente o fruir pela
vida, que de qualquer forma se daria, mas que optamos por trilhar a partir de
um caminho específico, que é aquele que nos faz sentido. Faz sentir. Faz
vibrar, pulsar, faz encher o pulmão de ar, fechar os olhos e encontrar força no
inexplicável.
Na paráfrase ao Pai-Nosso, de Francisco, ele medita o trecho “Santificado seja o vosso nome” pedindo para que “brilhe em nós o conhecimento de vós para que conheçamos qual seja a largura dos vossos benefícios, o comprimento das vossas promessas, a sublimidade da vossa majestade e a profundidade dos vossos juízos”.
Que, como Francisco, peçamos a Deus o brilho
do conhecer para que a complexidade da vida feita Formação nos faça querer
imitar a forma de Cristo, segurando na Sua mão para nos ajudar a ver a Sua
assinatura em toda Criação.
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